Juízas afegãs fazem palestra sobre Poder Judiciário e Democracia, promovida pela Apamagis

17 de março de 2022

Esta terça-feira (15/3) foi um dia especial para a Apamagis, que recebeu na sede administrativa as magistradas afegãs resgatadas por meio de um grande esquema internacional liderado pela Associação Brasileira dos Magistrados (AMB). As juízas promoveram uma palestra sobre o Sistema de Justiça e a Democracia no Afeganistão, transmitida pela plataforma Zoom somente para inscritos, com a participação da presidente da Apamagis, Vanessa Mateus; do 1º vice-presidente da Associação, Walter Barone; da desembargadora do TJSP Gilda Diodatti e da juíza e diretora da AMB Mulheres Domitila Manssur.

A primeira a falar foi a juíza Freshta que apresentou a história das constituições do Afeganistão, o conceito de Democracia no país e seus aspectos positivos e negativos. Ela explicou que a primeira Constituição afegã foi em 1923, mas que só na Carta de 1964 foi estabelecida uma democracia. “A década de 1960 foi conhecida como a década da Democracia, e pela primeira vez passou a se discutir os Direitos Humanos no Afeganistão.”

A magistrada destacou a Constituição promulgada em 2004, depois do período intenso de guerras, que estabeleceu as liberdades de acordo com os Direitos Humanos, eleições presidenciais com mandatos, separação de Poderes e educação livre a todos sem distinção de gênero. “Essa Constituição prevê as obrigações e direitos fundamentais de todo cidadão, liberdade de expressão, de imprensa, todas as liberdades de acordo com a Declaração Internacional dos Direitos Humanos. O presidente seria escolhido por eleição no país, os representantes do Parlamento também. O Judiciário é garantido como independente, podendo monitorar os demais Poderes com os freios e contrapesos da separação de Poderes. É sem dúvida uma das melhores constituições entre os países da região.”

A juíza Freshta também agradeceu o acolhimento que recebeu no Brasil, que já considera sua segunda casa. “Agradeço a AMB, a todos os juízes, ao Walter Barone, a todos que nos ajudaram na concessão dos vistos. Agradeço a hospitalidade dos brasileiros, a bondade do povo brasileiro.”

O Poder Judiciário no Afeganistão

A juíza afegã Gul, que também participou do evento, trouxe detalhes sobre a formação em Direito e como se dá o processo para se tornar juíza no país. “Nós passamos por duas faculdades, a de Direito e a da Lei Sharia. Depois de concluir os dois cursos, fazemos um exame muito difícil, e aqueles que alcançam as pontuações mais altas podem se tornar juízes. Na minha vez passaram cerca de 300 pessoas. Após essa prova, passamos por um programa de dois anos, e, em seguida, outro exame em que o governo irá selecionar os melhores, que serão alocados nos tribunais.”

Gul Andam ainda falou sobre o funcionamento do Poder Judiciário no Afeganistão, tal como sua estrutura. “O sistema tem a Corte Suprema que conta com nove magistrados escolhidos pelos presidentes. Compete a ela resolver questões de acordo com a lei afegã. Além disso, há mais três tribunais. No centro de cada província, existe um ramo da Corte de Apelação, Corte de Crimes Gerais, Corte Civil, Vara de Família, Crimes contra Segurança Externa, Vara das Mulheres, Corte contra Tráfico e Tribunais de Usurpação de Terras do Estado.”

A magistrada também agradeceu o acolhimento que ela e a família receberam no Brasil, mas lamentou o fato de não poder estar em sua terra natal. “Estamos aqui graças à Associação Internacional das Mulheres Juízas, salvas e muito agradecidas. Nossa situação aqui é muito boa, especialmente por estarmos entre magistradas. Durante esse tempo, nos deram trabalho, roupas, comida, escolas para nossos filhos. Estamos muito felizes, mas com uma dor no coração por não estarmos na nossa terra.”

Vanessa Mateus destaca importância do associativismo

A presidente da Apamagis, Vanessa Mateus, agradeceu a todos os envolvidos no resgate e no acolhimento das juízas afegãs e especialmente a elas pela visita mais que especial à sede da Associação. Ao ressaltar que a vinda dessas magistradas para o Brasil demonstra que o Judiciário no mundo todo é um só, a presidente da Apamagis destacou a importância do associativismo. “O associativismo traz isso, esse sentimento de pertencimento. Que ajudemo-nos uns aos outros, porque hoje é a democracia delas está em risco. Não sabemos qual democracia estará em risco amanhã.”

O fortalecimento do Poder Judiciário também foi abordado por Vanessa Mateus no evento. “Por tudo isso, é necessário mantermos um Poder Judiciário forte, uma democracia forte no nosso país e zelar pelos nossos cargos, porque podemos achar que hoje está tudo bem, e de uma hora para a outra não está mais. Temos que zelar pelas prerrogativas do Judiciário, e só faremos isso nos unindo.”

Detalhes sobre o resgate no Afeganistão

O 1º vice-presidente da Apamagis, Walter Barone, que também é vice-presidentes da União Internacional dos Magistrados (UIM), contou detalhes do resgate das juízas afegãs do qual fez parte. Ele disse que, por meio da UIM, contatou a AMB para trazê-las para o Brasil: “Assim que o Talibã tomou o poder no Afeganistão, elas passaram a ser perseguidas, pelo fato de não aceitarem mulheres nessas posições, sobretudo elas que já haviam condenado membros do regime. As Cortes foram fechadas, e as juízas obrigadas a fugir. A principal dificuldade era a obtenção dos vistos, que a AMB nos ajudou a conseguir junto ao governo brasileiro”.

Walter Barone também comparou a operação com a de um filme de ação. “Teve a dificuldade do trabalho de resgate delas que estavam escondidas e não podiam ser identificadas. Fizemos uma operação como aquelas vistas em filmes de guerra. Nós nos comunicávamos com a equipe através de e-mails criptografados. Passei uma madrugada junto ao Itamaraty trocando documentação, e eles lá no Afeganistão emitindo os vistos. O aeroporto de Kabul estava fechado, então, teríamos que tirá-las de lá por terra, mas ainda não sabíamos por qual fronteira. A saída delas foi adiada mais de uma vez. Foi algo muito singular na minha vida.”

Acolhimento dado às magistradas no Brasil

A desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo e vice-coordenadora da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário (Comesp), Gilda Diodatti, refletiu sobre a vinda das magistradas afegãs para o Brasil. “Ouvindo aqui todos os relatos dessas mulheres e suas trajetórias que tiveram para chegar ao cargo de juízas em seu país, vemos quantos desafios foram bravamente enfrentados por elas. Então, é uma honra para o TJSP por meio da Comesp participar desse evento, aprender com as juízas e ter a certeza de que irão enfrentar mais esse desafio e vencê-lo.”

Gilda Diodatti também ressaltou que as juízas afegãs estão passando por tudo isso pelo simples fato de serem mulheres, situação que, infelizmente, é uma chaga presente no mundo todo. “São mulheres inteligentes, competentes, preparadas e que conquistaram no seu país o espaço delas. E tiveram que abandonar suas casas, famílias, pátria pelo simples fato de serem mulheres. Aqui são bem-vindas e contarão sempre com a Comesp. Desejo os votos para que reconheçam o Brasil como pátria.”

A juíza e diretora da AMB Mulheres, Domitila Manssur, enalteceu a iniciativa da Apamagis e da presidente Vanessa Mateus pela realização da palestra com as magistradas afegãs. “A presidente Vanessa sempre à frente dos projetos, especialmente aqueles que nos torna mais dignos e dignas e trazendo a Apamagis a um posto de destaque nacional e internacional.”

Domitila Manssur contou que, ao todo, são sete juízas afegãs hoje aqui no Brasil, além de seus familiares que depositaram a confiança na AMB, na Apamagis e em todos os envolvidos que possibilitaram a vinda delas para o Brasil:  “Temos pessoas que confiam no nosso acolhimento, mas que têm esperança de voltarem a atuar em seu país como juízas. Elas são nossas colegas e querem validar seus documentos para atuar dentro do que for possível aqui no Brasil. A vinda delas coloca nosso país num patamar de reconhecimento mundial”.

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