Evento na Apamagis discute independência do Judiciário a partir de experiência italiana

7 de agosto de 2025

A Apamagis promoveu nesta quarta-feira (6/8), na sede administrativa, a palestra “O projeto de reforma do Judiciário e do Ministério Público na Itália e a questão da independência dessas instituições para o Estado de Direito”. Ao longo do encontro, foram apresentadas e discutidas semelhanças e diferenças entre a estrutura do Poder Judiciário no Brasil e na Itália e como cada país busca manter o equilíbrio entre Poderes e a independência do Judiciário. O vídeo do evento está disponível no canal da Apamagis no YouTube.

A palestra foi proferida por Luca Mezzetti, Professor titular de Direito constitucional da Universidade de Bolonha e Diretor do Programa de Pós-Doutorado em Direito na instituição. Como debatedores, participaram Luiz Guilherme Arcaro Conci, Professor da Faculdade de Direito da PUC-SP e titular da Faculdade de Direito de São Bernardo; e Valter Foletto Santin, Professor dos Programas de Mestrado e Doutorado da Universidade Estadual do Norte o Paraná, Doutor em Direito pela USP e Procurador de Justiça em São Paulo. A mediação foi de Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, Doutor e Mestre em Direito do Estado, Juiz Assessor da Seção de Direito Público do TJSP. A Apamagis foi representada à mesa pelo Diretor de Comunicação, Juiz Paulo Rogério Bonini. Participaram, ainda, da palestra a 2ª Vice-Presidente, Laura de Mattos Almeida; o Diretor-Adjunto de Comunicação, Fabrício Reali Zia; o Diretor-Adjunto do Departamento de Centro de Estudos, Gláucio Roberto Brittes de Araújo; o Presidente da Seção de Direito Público do TJSP, Ricardo Cintra Torres de Carvalho; o ex-Ministro do STF Sidnei Beneti.

Paulo Bonini foi o primeiro a discursar. O Diretor de Comunicação da Apamagis chamou atenção para o fato de que, na atualidade, o tema da palestra é caro neste momento em que as instituições brasileiras, incluindo Judiciário e Ministério Público, estão sendo testadas. “Vivemos um momento em que se fomenta a discussão dessa autonomia, dessa independência, dessa capacidade de equilíbrio entre os próprios Poderes internos e externos”, disse.

Antes de passar a palavra ao palestrante, o mediador Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho lembrou que, de tempos em tempos, surgem propostas de mudanças no Judiciário. Por isso, salientou a possibilidade de os participantes debaterem pontos em comum e desafios encontrados no Brasil e na Itália.

 

Experiência italiana

Luca Mezzetti abriu seu discurso explicando que a proposta de reforma constitucional já passou pelo Senado italiano e está, agora, em discussão na Câmara. O palestrante adiantou que se deteria apenas na Justiça ordinária, que inclui as esferas Cível, Penal e Trabalhista.

O palestrante explicou que o Poder Judiciário italiano se caracteriza pela não diferenciação entre as carreiras do Ministério Público e de Magistratura, e que o acesso a essas carreiras se faz por concurso público, com provas escritas e sustentação oral.

“O acesso é único para todos, mas é permitida, e isso talvez seja um dos temas mais controversos, a passagem de Juiz a Promotor ou o contrário, ao longo da carreira”, disse Luca Mezzetti. “Isso tem produzido várias perplexidades, sobretudo no término de casos nos quais Juízes que antes eram Promotores acabam se pronunciando como Juízes sobre assuntos que haviam tratado quando eram promotores.”

Na Itália, segundo o palestrante, Juízes e Promotores podem suspender a carreira para atuar na política – seja no Executivo ou no Legislativo – e, ao final do mandato, retomar seus postos no órgão público de origem. “É polêmico. É uma prática que dá lugar a comentários nem sempre favoráveis”, comentou Luca Mezzetti.

Outra diferença em relação ao Brasil refere-se ao Conselho Superior da Magistratura, que reúne Juízes e Promotores. É presidido pelo Presidente da República e tem 33 membros: 20 egressos das duas carreiras e dez do Legislativo (Câmara e Senado).  O MP pode se valer das Polícias Judicial e local para atuar em investigações.

Na reforma, está prevista a criação de dois conselhos – um para Juízes e outro para Promotores – e a criação de um novo órgão, a Alta Corte Disciplinar, que vai tratar de casos disciplinares das duas carreiras. O Presidente da República seria o Presidente deste novo órgão e elegeria três de seus 15 membros. O Legislativo também nomearia componentes a partir de sorteio de nomes de uma lista. Também poderiam compor o órgão Professores, Advogados, Juízes e Promotores com larga experiência. Segundo Luca Mezzetti, os recursos para decisões em primeira instância na Alta Corte seriam encaminhados para essa mesma Corte.

A aprovação dessa reforma constitucional precisa ser votada pelas duas Casas Legislativas e pode ser submetida a referendo, embora essa não seja uma obrigatoriedade.  Ainda não há previsão para o término das votações.

Autonomia

O Promotor do MP Valter Foletto Santin fez algumas considerações. Entre elas, a de que lhe chamou atenção o fato de na Itália ser possível um ex-Promotor que tenha cuidado de determinado caso atue no julgamento desse mesmo caso depois de assumir a função de Juiz. “Aqui haveria impedimento”, disse.

Também fez uma observação à proposta de reforma que coloca o Presidente da República como Presidente dos Conselhos de Juízes e de Promotores, o que, a seu ver, “seria impensável” no Brasil.

Já Luiz Guilherme Arcaro Conci lançou um olhar sobre as reformas constitucionais que atingiram o Judiciário na América Latina e afirmou que reforma constitucional e contaminação política tendem a não dar certo no plano qualitativo. Salientou, ainda, que, como pesquisador sobre independência judicial, tem estudado as ferramentas jurídicas usadas nas últimas décadas por governos autocráticos para limitar independência judicial. “Uma estratégia comum é a de recompor tribunais. Aumenta-se o número de Juízes ou altera-se a idade de aposentadoria para recompor com Juízes leais”, disse, citando a experiência argentina durante o governo de Carlos Menem. Entre outras estratégias estaria a de tirar a estabilidade do cargo de Juiz.

Receios

Paulo Bonini externou algumas preocupações em relação ao texto de reforma constitucional que tramita no Legislativo italiano. O Diretor de Comunicação destacou dois pontos. O primeiro deles é a inserção de texto afirmando que os Magistrados serão diretamente responsáveis pelos atos praticados de violação a direitos – sem falar em dolo.

“Qual o meu receio? O crime de interpretação. Eu gerar responsabilidade civil direta do Magistrado pela simples reforma de uma decisão dele numa Corte”, explicou Paulo Bonini.

Também destacou que uma lei ordinária vai determinar expressamente a responsabilidade do Magistrado em caso de “prisão injusta”, um termo aberto. “Vejo isso como um risco quanto à autonomia de um Juiz de primeiro grau de interpretar um caso concreto e dar uma decisão”, disse. “O erro judicial se corrige com recurso e não com responsabilidade civil do Juiz. Isso, para mim, é um mecanismo de pressão e de controle ilegítimo à autonomia do Poder Judiciário.”

Outro temor diz respeito ao fato de a reforma prever a exigência de ter, na Vice-Presidência do Conselho Superior da Magistratura e na Presidência da Alta Corte Disciplinar, um membro escolhido pelo Legislativo. “Uma das garantias do Judiciário é poder ser contramajoritário. Eu não sustento a legitimidade da decisão judicial na maioria, mas no ordenamento jurídico”, disse. “Agora, se quem fiscaliza e administra é alguém escolhido por um parlamentar, me parece que a legitimidade dele se socorre da opinião pública. Isso significa que as decisões judiciais ou eventual sanção disciplinar não estarão escoradas na análise do ordenamento no aspecto objetivo, mas do que a opinião pública talvez espere dessa administração.”

Para o Diretor de Comunicação, o controle externo não pode converter o Judiciário em um Poder que atende a vontade da maioria, que “nem sempre é a correta, nem sempre é a que atende as Constituição e o ordenamento jurídico”.

Ao final das explanações, o público pôde fazer perguntas a Luca Mezzetti, que também apresentou as oportunidades de estudos na Universidade de Bolonha.

Clique aqui para ver mais fotos do evento no Flickr da Apamagis

 

 

 

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