Terceira aula do curso “Efetividade da Jurisdição em Pauta” discute o peso das ações coletivas sobre o Judiciário

10 de agosto de 2021

O impacto que a execução individual decorrente de ações coletivas causa no Judiciário foi tema central do debate, nesta segunda-feira (9/8), na primeira parte da terceira aula do curso “Efetividade da Jurisdição em Pauta”, promovido pela EPM (Escola Paulista da Magistratura). Na segunda parte, o debate avançou para a discussão sobre a Justiça multiportas, a partir do tema “Pedido administrativo e direito de agir”. A última aula será realizada nesta quarta-feira (11/8), das 9h às 12h.

O curso é coordenado pela presidente da Apamagis, Vanessa Mateus, e pelos integrantes da diretoria da Associação Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, Ana Carolina Miranda de Oliveira (ambos do Departamento de Centro de Estudos), Thiago Massao Cortizo Teraoka (Jurídico) e Felipe Viaro (Assuntos Legislativos).

A equipe de coordenação também conta com a juíza Cynthia Thomé, que foi a responsável, nesta segunda-feira (9/8), pela condução do primeiro bloco da aula, sobre “Execução de ação coletiva”, e que contou com o procurador-chefe do Departamento Judicial da Procuradoria do Município de São Paulo, William Alexandre Calado; o chefe da unidade especializada em execuções da Procuradoria do Estado, Renan Santiago; e o advogado Aparecido Inácio.

Entrave para a efetividade
A questão das execuções individuais de ações coletivas é um problema que, segundo Cynthia Thomé, atinge sobretudo as Varas Cíveis e de Fazenda, mas se reflete em outras Varas e também no Juizado Especial Cível. “Nas execuções coletivas, como não há regramento próprio, cada uma se desenvolve de um jeito, e cada uma gera um tipo de problema ou solução”, explicou, para em seguida dar dois exemplos de ações: uma com execução tratada individualmente, e outra, de forma parcialmente coletiva.

A primeira ação vinha de associação que pedia o pagamento de expurgos inflacionários e foi julgada procedente com trânsito julgado em março de 2011. “Por decisão da segunda instância, todas as questões referentes à execução deveriam ser tratadas em cada cumprimento de sentença, o que gerou disparidade de decisões, pois cada incidente de cumprimento de sentença tem regramento próprio, com dezenas de recursos”, apontou Cynthia Thomé, em sua apresentação.

Em decorrência disso, na Vara de origem foram propostos mais de 24 mil incidentes de cumprimento de sentença e outros milhares distribuídos pelo Brasil. “Ou seja, a Vara tem muito mais cumprimentos de sentença do que todos os processos em geral”, disse Cynthia Thomé. Até hoje, poucas foram extintas.

À beira do colapso
O procurador-chefe do Departamento Judicial da Procuradoria do Município de São Paulo, William Alexandre Calado, disse que a Procuradoria vive problemas operacionais parecidos com os do Judiciário, como neste caso que envolve as demandas repetitivas. Nesta segunda (9/8), segundo o procurador-chefe, a Procuradoria tem 27 mil processos no total, e uma equipe com 18 procuradores.

Segundo William Alexandre Calado, executar individualmente as ações coletivas implica desde o cadastro daquela demanda até a distribuição do trabalho interno entre os procuradores, já que será preciso definir se tudo ficará nas mãos de um só procurador ou se será distribuído entre o grupo. “A questão das coletivas envolve os mesmos problemas operacionais: temos que fazer o cumprimento, depois a RPV [Requisição de Pequeno Valor], o depósito do valor daquela RPV ou expedir o precatório.”

Ele citou um caso que “levaria ao colapso” a Procuradoria. Uma ação do Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo), julgada procedente, condenou o Município de São Paulo a pagar pela interrupção e fornecimento de vale-refeição durante seis meses de 1999, a todos os servidores, sindicalizados ou não. “Fizemos uma avaliação do número de pessoas envolvidas e o valor chocou: hoje, meu departamento lida com 5 mil a 6 mil RPVs no ano, mas com essa ação teríamos algo na ordem de 20 mil a 25 mil RPVs, cinco vezes o que fazemos o ano todo, numa ação única”, disse.

A questão foi resolvida na base do diálogo e com muitas negociações, mas o sindicato concordou que o pagamento, da ordem de R$ 29 milhões, fosse feito em folha para 13 mil sindicalizados, o que deu muito mais celeridade às execuções.

Execução invertida
Advogado com forte atuação nas áreas de saúde e educação, o advogado Aparecido Inácio disse que a “ação coletiva democratiza e uniformiza o direito” e defendeu a execução invertida aprimorada como instrumento para melhorar a efetividade da Justiça.

“Com ela, minimizaríamos os impactos que uma execução traz, não precisaríamos fazer toda aquela gama e habilitações. Nossa aspiração é que se faça tudo administrativamente e, quando chegar na mesa do juiz, ele simplesmente homologue aquele cálculo”, afirmou o advogado. “Haveria uma economia contábil, burocrática e administrativa muito grande porque a parte não teria que ficar embargando de tudo e de todos.”

Na execução invertida, há a transferência da iniciativa da execução do credor para a Fazenda Pública devedora, que faz os cálculos e os apresenta. Uma vez aprovadas as planilhas pelo juiz, a dívida é paga, seja em RPV, seja em precatório.

Outro problema, segundo Aparecido Inácio, é que a pulverização da execução gera tumultos nos cartórios, e há processos de 10 mil, 15 mil pessoas. “Temos processo de 1990. Brinco que é o processo da Anelise, nome da minha filha mais nova, que nasceu nesse ano, e ainda estou tentando apostilar e inscrever os ofícios. Se a ação é coletiva, por que preciso inscrever oficio por oficio? Precisava ter uma maneira mais simples. Tenho dez pessoas que ficam o dia inteiro inscrevendo ofício por ofício”, argumentou o advogado. Na sua opinião, há uma burocracia que eternaliza os processos.

Conceito privatista
Uma das raízes do problema, de acordo com o chefe da unidade especializada em execuções da Procuradoria do Estado de São Paulo, Renan Santiago, está no fato de a execução coletiva ser pensada em bases privatistas. “A gente teria que evoluir do ponto de vista normativo porque determinadas demandas têm que ser tratadas coletivamente mesmo, uma vez que dizem respeito a muitas pessoas; e não posso ter interesses conflitantes”, argumentou.

Já Felipe Viaro trouxe à discussão a questão das demandas predatórias. E ainda aventou uma saída possível para dar conta do trabalho decorrente das ações coletivas: criar uma espécie de Justiça 4.0 para cuidar das execuções individuais, com seu juiz. “Seria como uma vara virtual, com servidores próprios”, explicou.

Segunda parte
O juiz Thiago Massao Cortizo Teraoka iniciou a segunda parte da aula com o tema “Pedido administrativo e interesse de agir”, questionando como incentivar a prática da Justiça Multiportas. Participaram deste painel Marcos Alexandre Bronzatto Pagan, juiz do TJSP, especialista em Direito Privado pela EPM e graduado em Administração Pública pela FGV, e Juliana Pereira, advogada e consultora da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), ex-secretária do Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor).

Ambas as partes da aula foram acompanhadas pelos coordenadores do curso Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho e Ana Carolina Miranda de Oliveira.

“Enquanto o Thiago Teraoka falava, me veio uma alegoria: eu imagino, nesse sistema multiportas, uma catedral com várias portas, mas parece que a grande porta, a do Judiciário, é a maior e mais escancarada, e aí temos esse dogma do acesso à Justiça: dá para uma pequena capela e não para a catedral em si. A gente consegue entrar muito fácil no Poder Judiciário, mas não consegue sair”, disse o juiz Marcos Pagan. “Precisamos adequar essas portas. O mundo mudou.”

Para o magistrado, um dos entraves da expansão do sistema multiportas é que as pessoas confundem desjudicialização com falta de condenação”. Marcos Pagan ressaltou o alto grau de resolubilidade da plataforma consumidor.org e mesmo do Procon. No entanto, a primeira é muito menos conhecida, apesar dos bons resultados.

Cultura da “birra”
“A efetividade é um problema da sociedade”, disse Juliana Pereira, advogada e consultora da Febraban. A seu ver, de uma sociedade “num primeiro momento descolada, mas contrária à inovação”.
Para a advogada, cada um tem seu quinhão de responsabilidade pelo cenário que vivemos hoje, a começar pelo Estado, que não dispõe de agências reguladoras respeitadas tecnicamente, pois pairam sobre elas influências políticas.

O segundo quinhão seria do mercado, que não evita o litígio, quando poderia criar ouvidorias capazes de resolver contendas antes que se transformem em processos. Para Juliana Pereira, muitos a usam “por questão marqueteira, e não da efetividade”.

O último quinhão é dos próprios cidadãos, acostumados ao que chama de “cultura da birra” que leva ao litígio, quando poderia ter seu problema solucionado por métodos consensuais.
Ao final, os professores convidados responderam às perguntas dos participantes.

Próxima aula
A próxima aula, na quarta-feira (11/8), terá como tema “Governança judiciária”, e irá reunir Ana Carolina Miranda de Oliveira, juíza integrante da coordenação do curso; Bruno Ronchetti de Castro, juiz assessor da Presidência da Seção de Direito Criminal do TJSP; e Carlos Alexandre Böttcher, juiz coordenador do Comitê Gestor de Orçamento e de Priorização do Primeiro Grau do TJSP.

 

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