Artigo: Dos servidores, tudo: até a alma, por favor
Por Bruno Machado Miano, Juiz de Direito em Mogi das Cruzes (SP)
O título pode parecer dramático ou piegas, num momento em que o setor privado da economia sucumbe. Entretanto, quem é servidor público bem sabe que, ao escolher essa carreira, fez a opção pela estabilidade, pela modicidade; sabia que não ficaria rico, que exerceria uma função que lhe traria grande prazer, mas teria grilhões legais que a nenhum outro cidadão se impõe.
De fato, é preciso que o leitor entenda, e tenha a mente desassistida de preconceitos: seja ao terminar o ensino médio, seja ao terminar a faculdade (ensino superior), chega a hora da definição de uma profissão. Por vezes, a vocação indica algo, mas a índole remete a outro caminho: é o caso de quem, formado em Direito, possui temperamento mais calmo, mais sóbrio, tímido. A esse, a advocacia seria a ruína.
Em tais momentos da vida, mais que saber a vocação, importa questionar o temperamento: alma de empreendedor ou alma de servidor? Nenhuma delas é ruim. Mas aquela primeira se sujeita a riscos e vê nisso inclusive graça na imprevisibilidade da vida: joga-se a empreitadas em busca de fortuna, reconhecimento e sucesso. Aos segundos, é preferível trabalhar sempre, servir da melhor forma, fazer uma carreira, tendo uma estabilidade – sem buscar riqueza.
São visões de mundo, que se completam: ao Estado interessa a sobriedade; à Sociedade, o empreendedorismo.
No Brasil, contudo, nem sempre a lógica prevalece: assistimos, ano após ano, ao funcionalismo público ser desmantelado, pouco reconhecido, tornando-se alvo de ataques, caricaturas grotescas e objeto de uma campanha de contrainformação constante.
Os reajustes (não estamos falando de aumento) salariais são escassos; ao invés disso, os governantes lançam mão de adicionais, prêmios e gratificações, porque eles não incorporam nos vencimentos e, assim, podem facilmente ser retirados – seja num momento de crise, seja quando da aposentadoria, por exemplo.
E então, quando cortes ocorrem nos adicionais, nos prêmios e nas gratificações, para os cidadãos fica uma sensação de proteção ao servidor público, que não foi atingido em seu salário, em seu vencimento. Mal sabe o cidadão, porém, que o vencimento já não tem reposição há anos, e essa reposição se dava por meio de tais adicionais, prêmios e gratificações. E não por culpa do servidor, mas sim por uma política remuneratória perversa, que visa, justamente, diminuir os valores das aposentadorias e pensões.
Depois, quando acusado de ser responsável pelo rombo da Previdência Social – sendo que não usa o regime geral de previdência – o servidor de novo é instado a novos sacrifícios. E não tem para quem correr: sua folha de pagamento é feita pelo Estado. Seu desconto é direto, o mais fácil de todos, que dispensa uma máquina de fiscalização contra sonegações. E, então, vê-se o servidor com aumento da alíquota de contribuição previdenciária, mesmo não tendo dado causa ao déficit que tanto lhe imputam (ninguém diz, mas o Estado não recolhe sua parte no sistema previdenciário, e continua não o fazendo).
E aí temos o seguinte panorama: servidores públicos sem reajustes incorporados a seus vencimentos; com “benefícios” cortados em razão da crise (os adicionais, os prêmios e as gratificações, que faziam as vezes de reajuste); sem estrutura de trabalho (basta vermos o SUS, as escolas públicas, as penitenciárias, as delegacias de polícia e os prédios forenses); com aumento na contribuição previdenciária (o que implica redução do vencimento líquido). Pergunta-se: para onde foi a estabilidade?
Mesmo numa época de pandemia, há de se ter razoabilidade. Se os senhores deputados e senadores podem cortar em seus vencimentos, aplaude-se. Eles não vivem dos subsídios que recebem para o exercício do mandato. Estão ali, diga-se, temporariamente. Possuem profissão, empresa ou outra atividade remunerada.
Diversa é a situação dos magistrados, dos membros do Ministério Público, das Forças Armadas, das Polícias Civil, Militar e Federal, dos integrantes da Diplomacia, bem como dos demais servidores públicos: esta é a sua profissão. Fazem dela seu mister, sua razão de vida, seu sacerdócio. Têm como única fonte de renda essa profissão. A algumas dessas carreiras, inclusive, as vedações são tamanhas, que sequer síndico de prédio é possível ser (caso dos juízes).
Nesse passo, após os cortes já aludidos, o aumento na contribuição previdenciária afirmado, vêm o Ministro da Economia e o Presidente da Câmara dos Deputados e pedem, de nós, servidores públicos, mais sacrifícios.
Mas vamos tirar de onde? Dos vencimentos, já defasados? De possíveis e eventuais verbas trabalhistas indenizatórias, que decorrem de descumprimento das regras, pelo empregador (o Estado)?
Por que não se fala em revisão das tarifas, dos contratos de concessões, da revisão de pactos com os ditos entes de cooperação (as organizações sociais, as organizações da sociedade civil de interesse público e outros do cada vez mais próspero terceiro setor)?
Por que não fazemos uma reforma tributária, desonerando a cadeia produtiva, e simplificando o modo de cobrança dos tributos, para fim de diminuir a sonegação?
Por que não discutimos uma profunda reforma política, que comece discutindo a necessidade do bicameralismo, nessa federação de mentira, e passe pelo número exorbitante de deputados federais, estaduais e de vereadores, com seus inchados gabinetes?
Dessas discussões, que a Sociedade espera, todos fogem, como diabo da Cruz.
Prefere-se, sempre, a cartilha liberal, lida até o prefácio: cortar salários, reduzir benefícios (de todos), diminuir o tamanho do Estado, desestruturar as carreiras de Estado, em nome de uma sociedade empreendedora que nunca chega, nunca vem, em razão do custo Brasil (tributos e mais tributos). Mas a cartilha liberal, lida até o prefácio, é curiosa: em tempos de bonança, menos Estado; em tempos de crise, corta-se novamente do Estado, e socializa-se o prejuízo!
Somente aqui esquecem que o aval do lucro é o risco. E que a socialização do prejuízo causa depressão econômica e aumento de desemprego, porque, em momentos tais, retira-se de circulação o dinheiro que girava, consistente na remuneração dos servidores, impactando o setor de serviços.
Por fim, talvez peçam nossas almas, já mortas. Quiçá, com um por favor.
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