Clube de Leitura da Apamagis discute o romance “Lavoura Arcaica”, do premiado escritor Raduan Nassar

4 de junho de 2025

O Clube de Leitura da Apamagis discutiu, no último dia 3/6, o romance “Lavoura Arcaica”, de Raduan Nassar, considerado um dos maiores escritores brasileiros contemporâneos. Como palestrante, a escritora, doutora em Letras pela USP, psicopedagoga e pesquisadora Carolina Zuppo Abed. A mediação ficou por conta da Juíza Danielle Martins Cardoso.

“Lavoura Arcaica”, lançado em 1975, trata do retorno do filho pródigo para a família. André é a ovelha desgarrada do rebanho, que foge às convenções de um clã extremamente patriarcal e religioso comandado pelo rigoroso Iohána, chefe da família. Mas o rapaz logo retorna para a fazenda onde vivia, por insistência do seu irmão mais velho Pedro, que tem como missão resgatá-lo da “vida do pecado” e convencê-lo de que sua partida devastou sua mãe e sua irmã Ana, por quem André nutre uma paixão incestuosa. Nassar recebeu, em 2016, o Prêmio Camões pelo conjunto de sua obra.

 

Tragédia grega

Carolina Abed, para quem Nassar é hoje o escritor vivo mais relevante da literatura brasileira, traça um paralelo entre a obra e aspectos fundamentais da tragédia grega. “É como se a família fosse um núcleo endógeno de uma polis, como se uma cidade acontecesse dentro de uma família que preza pela ideia de união muito absoluta. A família é indestrutível, o princípio e o fim de tudo”, afirma.

Ao mesmo tempo em que discorre sobre todos os personagens, a palestrante concentra-se em dois deles: André, o filho que rompe com a família e abandona o lar, é o ator principal da trama e também seu narrador. Ana é a irmã mais importante, e com quem ele desenvolve um romance: “André (ándros, em grego), representa o homem, o traço masculino, mundano, não sagrado da família.  Raduan, sendo de família libanesa, escolhe para a Ana o nome que significa ‘eu’, em árabe. Ao longo do livro vai sendo criado um paralelo. Ana é como se fosse o duplo de André”.

Os sermões do patriarca durante o jantar também são pontos fundamentais da análise. Inclusive sobre o incesto. “Nesses sermões estão contidos todos os elementos para esta tragédia. Tudo que o pai fala, vai ser, depois, reinterpretado por André, que se valerá das palavras de Iohána para justificar [o incesto] — ‘Na família vamos ter o pão, comer o pão’”.

No transcorrer de sua palestra — e como forma de exemplificar a tese de que “Lavoura Arcaica” funciona como uma tragédia grega —, Carolina Abed aborda a forma de teatro originária da Grécia Antiga: hybris, como arrogância; hamartia, a não percepção dos erros de seus atos; peripeteia, que configura a reviravolta, tudo que é positivo passa a ser negativo; anagnorisis, como sinônimo de reconhecimento — a tragédia não se dá no fato trágico, mas em seu reconhecimento; e a contrafilia, ação violenta conta os que mais amamos e deveríamos proteger.

 

Zonas cinzentas

“Como estou falando para juízes, digo que a tragédia grega vai trazer as zonas cinzentas da lei. Trazer tudo que é muito ambíguo. Os personagens trágicos não são nem bons nem maus. Aristóteles vai dizer que são seres humanos de caráter médio — não têm o caráter elevado dos personagens da epopeia, e nem o caráter rebaixado dos personagens da comédia. Os homens da tragédia são iguais a nós, têm o caráter médio”, diz a palestrante.

Carolina Abed também traça paralelos entre “Lavoura Arcaica” e “Édipo Rei”, peça do teatro grego antigo, escrita por Sófocles por volta de 427 a.C. e que conta a história do rei Édipo, que, sem saber, mata seu pai, o rei Laio, e se casa com sua mãe, Jocasta, cumprindo uma profecia oracular. “A tragédia, no ‘Édipo’, não ocorre porque ele matou o pai e se casou com a mãe, mas sim por ele descobrir esses fatos. No ‘Lavoura Arcaica’, a tragédia não está em André e Ana terem uma relação incestuosa, mas no fato de o pai descobrir que havia esta relação”, afirma.

 

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