Mafra Carbonieri se valeu de sua experiência profissional para escrever “Um Estudo em Branco e Preto”

10 de maio de 2021

Foi influenciado por sua longa experiência como promotor de Justiça e depois como juiz e desembargador criminal que o escritor José Fernando Mafra Carbonieri obteve material para compor o personagem central de sua obra “Um Estudo em Branco e Preto”. Para escrever o livro, o titular da cadeira 26 da APL (Academia Paulista de Letras) também se colocou, conforme disse, na pele de um esquizofrênico. No caso, um homem aparentemente gentil, cordato, mas que esconde raiva, inveja e deseja matar a mulher com quem viveu uma vida toda.

O livro foi tema do encontro do mês de maio do Clube de Leitura da Apamagis, realizado na terça-feira (4/5), que contou com 45 participantes e mediação da magistrada Danielle Cardoso Martins. Mafra Carbonieri, que é um assíduo frequentador dos encontros e tem seus comentários sempre aguardados pelos colegas, desta vez pôde falar um pouco mais de sua vida e do novo livro.

“Minha ideia era muito simples: criar uma novela policial que fosse escrita por um esquizofrênico”, disse Mafra Carbonieri. “A esquizofrenia é uma palavra grega que significa mente dividida. Preto e branco, contraste: isso que eu queria fazer, uma narrativa que fosse num tom preto e num tom, branco.”

Influência de Hitchcock
Mafra disse que levou três anos para concluir a obra. E não conseguiu fazer a pesquisa de campo em um hospital psiquiátrico, como gostaria, mas leu tratados sobre essa doença mental e incorporou influências do cinema e da literatura.

A personagem Ingrid recebeu esse nome por causa de Ingrid Bergman, estrela do filme “Quando Fala o Coração”, dirigido por Alfred Hitchcock. “O Alfredo, diretor do hospital, eu descrevo a figura física do Hitchcock, um homem gordo, soturno, que se vestia de escuro”, disse Mafra Carbonieri.

O protagonista de “Um Estudo em Branco e Preto” não espelha uma figura real nem do cinema, mas traz o avesso do autor. “Ele é um arrogante, homicida, envenenador, invejoso, que pragueja contra os outros. É o meu contrário”, disse Mafra.

“Mas minhas fontes essenciais são minha vida, minha experiência de 86 anos, os psicopatas que vi no fórum, os meus processos. Muito do que sei dependeu do meu conhecimento de processo, de conversar”, revelou.
Confusão e solidão foram sentimentos presentes ao longo leitura, segundo participantes do Clube. A qualidade da obra foi destacada por seus pares, assim como a linguagem utilizada.

Danielle Martins Cardoso selecionou e destacou trechos do livro (veja abaixo), sobre os quais a presidente da Apamagis, Vanessa Mateus, comentou: “O livro todo é permeado por esses trechos que nos assombram e fazem a gente ler duas, três vezes e voltar. Ao mesmo tempo, ele é divertido, melancólico. A a gente ri, depois dá aquele riso amarelo e volta atrás. Parabéns, foi um prazer ler você”.

A presidente da Apamagis chegou já com o Clube de Leitura em andamento, pois participava de outro compromisso da Associação, uma live sobre o Código Processual Penal. Antes, tinha avisado eu “não perderia por nada” o encontro.

Aula com Ulisses Guimarães
Antes de falar sobre o livro, Mafra Carbonieri contou um pouco sobre sua vida. Disse que foi criado em uma família muito acolhedora e simples, de imigrantes italianos, na cidade de Botucatu.

Desenvolveu o gosto pela leitura desde cedo. Aliás, contou ter ficado maravilhado com toda a fantasia presente no livro “Pinóquio”, que ganhou de seu pai aos 7 anos de idade. Daí para frente, não parou mais.

Aos 16 anos, começou a dar aulas de Português e Literatura para dois homens que iam prestar concurso público para o Banco do Brasil. “Eles me deram meu primeiro ordenado como professor, 800 cruzeiros. Naquele mês, tive a honra de oferecer aos meus pais o dinheiro do aluguel, que custava 600 cruzeiros”, contou o escritor.

Mafra Carbonieri ingressou na Unitoledo, onde se formou em 1959. “Meu professor de Direito Constitucional era o [político, presidente da Assembleia Nacional Constituinte em 1987/1988], Ulisses Guimarães”, disse.

Questionado por Danielle Martins, Mafra Carbonieri contou que em 1961, como professor de estudantes que prestariam vestibular, apresentou a obra completa de Fernando Pessoa, com base na publicação que havia acabado de sair no Brasil, pela editora José Aguilar, e que ele conserva até hoje.

“Eu sei que fui o primeiro a apresentar a obra completa de Fernando Pessoa, embora muito tempo depois vi uma entrevista de [poeta] Décio Pignatari na qual ele dizia ter sido o primeiro professor a analisar Fernando Pessoa para a escola. Isso em 1972. Nunca fui arrogante a ponto de dizer isso, porque não acho fundamental. É interessante, verdadeiro, mas não acho que é razão para me gabar. Importante é ler Fernando Pessoa.”

Doistoiévski
A obra escolhida para o próximo Clube de Leitura da Apamagis é “Memórias do Subsolo”, de Fiódor Dostoiévski. O encontro está marcado para 1º/6, às 19h, e os associados já podem se inscrever pelo clubedeleitura@apamagis.org.br.

 

Trechos de “Um Estudo em Branco e Preto”

“Não sei se faz frio ou calor…Empurrei a coberta para os pés. Não que me importe tanto, mas por que a humanidade me despreza? Sempre foi assim… alguma coisa me persegue e às vezes me causa medo. Por que a minha mulher permitiu que eu envelhecesse sozinho? Agora ela se tranca no banheiro e não tem o pudor do silêncio, aliviando o corpo de seus líquidos miseráveis. Para depois acionar a válvula do vaso, como um anúncio. Talvez o motivo da morte – em sentido filosófico e entre casais – seja a intimidade prolongada. O tempo torna tudo mesquinho e vil” (pág. 45).

“Perdi o comando ilusório do tempo. O tempo, esse agiota shakespeariano que esconde os nossos segredos no cofre de sua loja de antiguidades e nos impede o resgate” (pág. 62).

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