Mia Couto mostra sua visão poética sobre o mundo no novo Clube de Leitura de Contos e Poesias da Apamagis

8 de outubro de 2021

A proposta da edição inaugural do Clube de Leitura de Contos e Poesias da Apamagis, realizado no dia 28/9, era debater o livro “O Fio das Missangas”, de Mia Couto, e ouvir do escritor moçambicano um pouco de sua história. No entanto, mesmo com um grupo numeroso, de 89 participantes, o evento ganhou ares de encontro intimista, com um autor despido de vaidades, que respondeu a todos com acolhimento e falas encantadoras nas quais revelou sua visão particular – e por que não poética – sobre a vida e o mundo.

As boas-vindas foram dadas pela presidente da Apamagis, Vanessa Mateus, que afirmou ser uma alegria fazer esse primeiro encontro do Clube de Leitura de Contos e Poesias com a obra do moçambicano. “Eu li ‘O Fio das Missangas’ e ele tem uma poesia linda do começo ao fim, tem momentos engraçados, tristes, reflexivos, mas é de uma poesia que enche o coração a cada linha”, revelou.

A poesia, aliás, sempre esteve presente na vida de Mia Couto. No bate-papo inicial conduzido pela mediadora Danielle Martins Cardoso, o escritor contou que seu pai era poeta, com livros publicados. “Ele era poeta não só porque escrevia, mas por não ter nenhuma capacidade de se relacionar com a realidade. Meu pai vivia em mundo estranho no início para nós, mas depois fomos aprendendo que esse mundo não era tão estranho assim, e que o outro mundo da realidade é que era estranho”, disse Mia Couto.

O pai, para ele, foi uma espécie de propulsor para o que depois encontraria no poeta brasileiro Manoel de Barros (1916-2014), o qual “ensinava a importância das coisas que são insignificantes na aparência”.
Com os pais também aprendeu a ouvir e ter empatia. Quando menino, sempre via eles conversando de forma acolhedora com todos na rua, sem os preconceitos que permeavam aquela sociedade colonial (Moçambique era colônia portuguesa).

Poesia
Antes de ser escritor, Mia Couto cogitou ser psiquiatra, mas desistiu por causa da queda do regime colonial. Esse gosto e predisposição para ouvir o outro, que já aparecia no desejo de seguir a Medicina, acabou ganhando força quando Mia Couto tornou-se jornalista da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique).

Segundo o escritor, os mais de dez anos dedicados ao ofício lhe deram a oportunidade de viajar e de ouvir muitas pessoas e histórias que o encantaram, e que em Moçambique é muito comum as pessoas verem a natureza como coisas vivas.

Por isso, lembra que um certo rio que sempre inundava era chamado de “a água que engravida”. “Para as pessoas é só um modo de dizer, mas para mim aquilo era poesia”, disse Mia Couto. Ele decidiu que essa abolição de fronteiras entre o vivo e o não vivo tinha que ser levada a sua escrita literária e sua maneira de olhar e pensar o mundo.

Outra grande influência literária foi o brasileiro Guimarães Rosa, e o primeiro contato que teve com a obra dele foi por meio de uma fotocópia do conto “A Terceira Margem do Rio”. “Foi a segunda vez que tive autorização para fazer da poesia a forma de construir a prosa”, disse Mia Couto. “Guimarães Rosa, mais do que propriamente fazer o exercício e invenção de palavras e da oralidade, é um poeta.” Para o escritor, é a linguagem criada pelo brasileiro que dá origem a um sertão único, que existe apenas em sua linguagem.

Prêmios
A poesia está sempre presente na obra de Mia Couto. Na prosa, entre romance e conto, prefere o segundo, porque acredita quem como a dança, o conto pega pela cintura mesmo quem não sabe dançar, levando-o a uma entrega total. Na sua visão, o conto precisa surpreender logo. “Essa paixão súbita é o conto. Romance é casamento, é esse exercício além da paixão”, disse.

Mia Couto disse que tem prazer em escrever. A única obra que lhe trouxe angústia durante a criação foi “Terra de Sonâmbulos”, inspirado em sua vivência durante os anos de guerra civil em Moçambique.

Este livro é considerado um dos 12 melhores livros africanos do século 20 e lhe rendeu uma série de prêmios literários, entre eles o Camões, em 2013, o mais prestigioso da língua portuguesa, e o Neustadt International Prize em 2014. Além disso, foi indicado para o Man Booker International Prize de 2015.

Mia Couto disse que ficou especialmente feliz em ver “Terra de Sonâmbulos” ter destaque fora do continente africano, mas que prefere esquecer ao máximo os prémios que recebe. “Claro que fico feliz com eles, mas não quero que tomem conta de mim, que sejam um guia, um farol”.

Menino
Para o escritor, há prêmios mais importantes, que vêm das pessoas. E citou o caso de um menino de aproximadamente 8 anos que foi com o pai ao lançamento de um livro infantil seu. O pai havia pedido para o autor dar-lhe um autógrafo sem que entrassem na fila, pois teriam de ir embora logo.

Mia Couto disse que se abaixou e perguntou “essas coisas idiotas que perguntamos para as crianças porque não sabemos como falar com criança”. O menino, disse ele, o olhava como se fosse idiota. Então Mia Couto fitou a capa do livro, chamado “O Gato e o Escuro”, e lhe perguntou se tinha medo do escuro. “Foi a primeira vez que ele me olhou nos olhos”, contou. Então o menino disse: “Tenho, e tu?”. E Mia Couto: “Eu também”.

O menino já estava indo embora com o livro autografado quando decidiu voltar. Pôs a mão sobre o ombro do Mia Couto e disse: “Olha, não tenhas medo”, e em seguida citou uma frase do livro. “Aquela frase que era minha, mas deixou de ser minha e passou a ser do menino, e ele serviu-se dela para me consolar, aquilo foi um prêmio que não posso esquecer”, disse.

Mia Couto, que começou o encontro da Apamagis à meia-noite, no horário local, foi adiante até por volta de 2h da manhã. E disse que deseja voltar a encontrar o grupo, em uma nova oportunidade, presencial.

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