Narrador filósofo conduz a história do livro “A Vida Pela Frente”
Um livro curto, com 192 páginas, mas intenso, “A Vida Pela Frente”, de Émile Ajar (pseudônimo de Romain Gary) envolveu tanto os cerca de 40 participantes do Clube de Leitura da Apamagis que o encontro dedicado à obra, no último dia 4/8, teve quase três horas de duração.
Na trama, o menino Momo, muçulmano, é criado no submundo Paris por madame Rosa, uma ex-prostituta judia que sofre de uma doença degenerativa. A religiosidade, as reflexões do garoto sobre a vida e o amor, a linguagem e os recursos literários utilizados pelo autor foram levados ao debate pelos participantes.
Logo no início, a convidada Vivian Schlesinger, escritora, lembrou a trajetória de Romain Gary (1914-1980), que foi deportado da Lituânia para a Rússia e depois migrou para Polônia, França, Inglaterra, Bulgária, Suécia e Estados Unidos. Na Segunda Guerra, foi piloto das forças aéreas francesa e inglesa e ganhou cidadania nos dois países. Foi diplomata britânico e, nos EUA, representante da ONU. Nos Estados Unidos, casou-se com a escritora Lesley Branch, e depois com a atriz Jean Seberg. Em 1980, Romain Gary se suicidou, deixando um legado de 36 livros de vários gêneros.
Essa experiência multicultural do autor encontra eco na obra, como apontou a escritora Vivian Schlesinger. Momo, na análise da convidada, é um personagem que transita com muita naturalidade entre o submundo de Paris e o lado glamoroso da cidade, sem que isso lhe faça mudar conforme o ambiente. O livro ainda destaca dois personagens masculinos ricos e diferentes entre si: o médico judeu dr. Katz, que mora no bairro pobre, e o muçulmano Hamil, comerciante de tapetes.
“Os dois compõem uma figura paterna, com sabedorias muito diferentes, mas não conflitantes, o que é provavelmente um reflexo da experiência do Romain Gary, que veio de vários mundos e tinha várias identidades”, disse. “Mesmo adquirindo uma cidadania diferente, você não abandona sua identidade, mas sim as soma. Romain Gary sabia disso e esse personagem, o Momo, reflete essa possibilidade”, afirmou Vivian.
Ao mesmo tempo em que passagens do livro divertem o leitor, a profundidade do livro é envolvente. “Momo é um narrador filósofo”, definiu a mediadora Danielle Martins Cardoso. E as reflexões sobre vida e morte, amor e perdas são todas do garoto, que conta a história.
A presidente da Apamagis, Vanessa Mateus, lembrou da passagem em que Momo fala à madame Rosa sobre o sonho com uma leoa, que aparecia para protegê-lo. Em seguida, citou o trecho: “Ela acordava berrando porque em mim era sonho, mas para ela era pesadelo e ela sempre dizia que pesadelo é o que os sonhos se tornam na velhice. A gente imaginava duas leoas completamente diferentes, mas o que vocês querem? Não faço ideia do que madame Rosa poderia sonhar, não vejo serventia em sonhar para trás, e na idade dela já não podia mais sonhar para frente”. “Essa foi uma das primeiras passagens que me sensibilizou fortemente”, disse Vanessa Mateus. “Embora considere este um dos livros mais lindos que lemos aqui, eu não consegui rir. Mesmo nas partes em que ele é irônico ou tenta fazer uma graça, achei tudo muito triste. Fiquei muito sensibilizada”, disse.
O escritor Mafra Carbonieri, titular da cadeira nº 26 da APL (Academia Paulista de Letras), disse que Momo apresenta reflexões atípicas para sua idade. Cita, por exemplo, o início do livro, em que o menino diz ter vivido sua primeira grande aflição quando soube que madame Rosa cuidava dele não por afeto, mas por dinheiro. “Uma criança não sabe ainda o que é dinheiro, o que implica dinheiro. Aí eu já vejo uma diferença entre o criador e o narrador. Aqui está a técnica do Gary, ele é o criador de toda aquela linguagem”, disse Carbonieri, destacando ainda a fala errada de Momo como recurso do autor.
Para o escritor, a chave da obra está no título, “A Vida Pela Frente”. “Esse nome é genial, porque a miséria não tem nada pela frente.”
O próximo Clube de Leitura será realizado no dia 1º/9, às 19h, com o filósofo Luiz Felipe Pondé como convidado. A obra, sugerida por ele, é “Pais e Filhos”, de Ivan Turguêniev. Interessados em participar devem enviar e-mail para clubedeleitura@apamagis.org.br.
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