No Clube de Leitura, Maria Adelaide Amaral relembra a carreira, a vida em São Paulo e a amizade que a levou a escrever livro
Maria Adelaide Amaral não esconde o carinho especial que tem por Décio Bar, amigo que deixou a vida pelo caminho do suicídio e que a inspirou na criação do livro “Aos Meus Amigos”, adaptado e exibido em 2008 na TV Globo como a minissérie “Queridos Amigos”, estrelada por Dan Stulbach.
“O Décio me marcou profundamente. Eu era uma pessoa antes dele, e com ele passei a ser outra, até pelo nível de leitura às quais ele me introduzia”, disse a escritora durante o Clube de Leitura da Apamagis de 8/9 que teve como tema o livro “Aos Meus Amigos”.
Foi por meio de Décio Bar, um publicitário de sucesso, que ela conheceu os textos do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre (1905-1980), da escritora Simone de Beauvoir (1908-1986) e tantos outros. “Eu lia muita m…”, admitiu a convidada, para em seguida brincar consigo mesma, dizendo que fala muito palavrão. “Aqui eu posso falar à vontade, né?”, perguntou ao grupo de 44 pessoas.
Os participantes logo assentiram. A essa altura, Maria Adelaide Amaral já tinha envolvido todo o grupo em uma conversa emotiva, sincera e descontraída. Falou de sua vinda para o Brasil aos 12 anos, do tempo em que morou na Mooca, de sua carreira no jornalismo, seu começo como dramaturga e do trabalho que lhe deu fama, na TV e na literatura.
Mooca
“Eu sempre digo que cheguei no Brasil, mas minha primeira escala foi na Itália”, disse Maria Adelaide, que contou ter se encantado com a cultura italiana operária no bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo. A escritora veio de Portugal, onde nasceu, com os pais.
“O fato de ser da Mooca me identifica e diz o seguinte para as pessoas: eu vim de baixo, foi tudo muito suado, conquistado à custa de muito esforço e trabalho”, ressaltou. “Eu trabalhava e estudava. Não reclamo. Isso foi uma sorte tremenda na minha vida, ter sido exposta a tantos tipos diferentes de situações e dificuldades e de ter conseguido sobreviver a todas elas.”
Foram várias as lembranças contadas por Maria Adelaide Amaral no encontro. Recordou-se do pai, sem poupá-lo de críticas, e disse que sua vida familiar era muito ruim, por isso buscava refúgio na literatura.
Teatro
Seu sonho era ser uma atriz como Cacilda Becker (1921-1969). “Quando me vi atuando, me odiei”, disse. Essa experiência a levou a buscar outo objetivo: ser crítica de teatro. Foi trabalhar na editora Abril e lá conheceu o crítico teatral Sábato Magaldi (1927-2016), que lhe orientou em suas primeiras investidas. Maria Adelaide Amaral então começou a construir sua carreira como dramaturga, e faria grande sucesso com peças como “De Braços Abertos”, estrelada por Irene Ravache no início dos anos 1980, Na literatura, ainda ganharia um prémio Jabuti, em 1986, com “Luisa – Quase uma História de Amor”.

Irene Ravache e Juca de Oliveira em “De Braços Abertos”
Maria Adelaide Amaral tinha planos de escrever uma peça sobre Shakespeare para o ator Antônio Fagundes em 1990, quando o confisco da poupança pelo governo Collor lhe obrigou a mudar os planos e os rumos. “Foi uma coisa medonha. Teve gente que morreu na fila de banco”, lembrou. A escritora contou que se recusou a ser apresentada à ministra da economia da época, Zélia Cardoso de Melo, em uma festa em Nova York, justificando: “Eu não quero conhecer essa mulher que obrigou centenas e milhares de pessoas a ficarem sob intempérie nas filas dos bancos, gente que morreu!”
Assim, mesmo não se interessando em fazer novelas, trabalho que até hoje diz não gostar, acabou ingressando nesse universo a convite do autor Cassiano Gabus Mendes (1929-1993), que a queria na equipe. “Ele era uma pessoa extremamente divertida. Eu achava que todo mundo que escrevia para televisão ficava doido, mal-humorado, tinha infarto. O Cassiano me ensinou a leveza e o prazer de escrever para a TV. Depois fui trabalhar com o Sílvio de Abreu, que é outro rei da leveza”.
Em seguida a sua participação na equipe de “A Próxima Vítima”, acabou fazendo seu trabalho solo, em 1997: o remake de Anjo Mau.
Aí então vieram as minisséries, a começar por “A Muralha” (2000), e depois outras, como “A Casa das Sete Mulheres” (2003), JK (2006), “Dalva e Herivelto” (2010), e “Os Maias” (2001), que aliás, será tema do próximo encontro do Clube de Leitura da Apamagis, em 5/10, às 19h, do qual a escritora fez questão de combinar sua participação.
“Ele me deu para ler contos inéditos do Eça de Queirós, e resolvi começar a minissérie por causa de um conto que se passava numa praça de touros”, disse Maria Adelaide Amaral, que acabou situando na praça de touros o encontro entre Pedro da Maia e Maria Monforte. A escritora revelou até que foi ao cemitério em Resende e, diante do jazigo de Eça de Queirós, pediu-lhe permissão para adaptar “Os Maias”. “Na hora, passaram uns pássaros. Tremenda coincidência, mas para mim era a resposta que eu queria. Pelo menos eu achei que fosse”, afirmou.
Para a minissérie “Queridos Amigos”, Maria Adelaide Amaral teve que fazer algumas adaptações da história contada no livro. Na Globo, a primeira cena é o reencontro dos amigos após a morte de Décio Bar, que na produção televisiva ganhou o nome de Léo.
Viaduto do Chá
A autora diz que escreveu o livro porque Décio Bar se matou. “Ao longo da minha vida, vários amigos meus se mataram, mas o Décio eu intuía que ia se matar, por tudo o que ele lia, que ele pensava, pelo pessimismo inerente e pelo perfeccionismo dele.”
Décio Bar às vezes ligava de madrugada e “dizia coisas muito sérias”, segundo a amiga. Tinha, de acordo com a escritora, talento de sobra: para a arquitetura, a literatura, a publicidade. Mas exigia demais de si. “Essa autocritica absurda e feroz o matou”, disse. “Nada satisfazia Décio Bar, nem amigos, nem afetos, nem nenhuma parceira.”
Mas era uma figura fundamental na vida de Maria Adelaide Amaral. “A gente saía do colégio no Parque Dom Pedro, ia pra cidade e às 2h da manhã ficávamos debruçados no Viaduto do Chá – que bons tempos aqueles –, falando de filmes, literatura e da questão existencial. Naquela época, o suicídio estava na moda, a questão mais fundamental da existência é o suicídio. Camus dizia isso. Isso estava na moda. Era moda intelectual, inclusive”, contou.
Maria Adelaide Amaral revelou que, embora não fosse tão pessimista quanto Décio Bar, achava lindas aquelas ideias. Diz que entende o pessimismo do amigo, mas hoje tem um olhar diferente.
“Mas que m… de pessimismo! Era uma geração privilegiada, que tinha um futuro à sua frente, não tinha desemprego, a oferta de emprego era enorme naquela época para a gente que tinha o privilégio de terminar a faculdade. Estava tudo ali”, lembrou. “Poucas fases na nossa existência, na nossa história cultural, foram tão ricas quanto aquela do cinema novo, da bossa nova, das artes plásticas, da literatura. Estava tudo ali, e as pessoas cultivavam o pessimismo como se cultiva orquídeas, que regava toda manhã, ao acordar. Era uma coisa absurda.”

Décio Bar, em foto publicada pela revista Época
Cheia de energia, Maria Adelaide Amaral disse que está com outro trabalho em andamento, o qual deve terminar em breve: o texto de uma novela de época sobre o compositor Carlos Gomes (1836-1896), autor da ópera “O Guarani”.
“Apesar de no ano que vem fazer 80 anos, estou totalmente aberta e disponível [a novos trabalhos]. Seja o que Deus quiser”, disse, sorrindo.
“Da oportunidade ao êxito: reinventando-se na aposentadoria” é o tema da palestra que […]
Em mais uma atuação em prol da Magistratura, desenvolvida em Brasília, o Presidente Thiago Massad, […]
A Apamagis promove, no dia 6/8, a palestra “O projeto de reforma do […]