ARTIGO: O poeta no front

28 de julho de 2025

José Renato Nalini,

Reitor da Uniregistral,

Docente da Pós-Graduação da Uninove

e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo      

 

Uma queda levou desta peregrinação o Desembargador Régis Bonvicino. A mídia registrou sua morte, ocorrida em 5/7/2025, lamentando a morte de um poeta que Cláudio Leal considerou “inimigo do efêmero”.

Participei de alguns momentos importantes da vida de Régis. Ao se submeter ao Concurso de Ingresso à Magistratura de São Paulo, ele já era poeta. Escrevera “Bicho Papel”, de 1975, “Régis Hotel” em 1978 e “Sósia da Cópia” em 1983.

Eram tempos em que Ministério Público e Magistratura bandeirante trocavam informações sigilosas sobre os pretendentes a se tornarem promotores e juízes. Eram elaborados dossiês muito subjetivos, sempre a cargo daqueles mais conservadores, interessados em preservar a “pureza” de suas Instituições.

Ser poeta parecia incompatível com o exercício da jurisdição. Os poetas, esses “nefelibatas”. Esses “loucos”. Melhor evitar que adentrem ao sacrossanto recinto onde se pratica a atividade mais próxima à do Criador: a do juiz, que tem o condão de fazer “do branco, um preto”, do “homem, uma mulher”, do “quadrado, um círculo”.

Para sorte de Régis, o Presidente regimental dos Concursos de Ingresso à Magistratura era um homem profundamente ético e muito consciente da realidade de seu país. Estudara em Universidade americana, fora um dos mais respeitados membros do Ministério Público. Tanto que chamado da Curadoria em Campinas, diretamente para o Tribunal de Alçada então existente. Sem passar pela promoção para a Procuradoria de Justiça.

Estou falando, é óbvio, do Desembargador Sylvio do Amaral, um dos mais destacados exercentes da difícil missão confiada à Corregedoria Geral da Justiça. Ele era generoso, não preconceituoso, respeitador dos cânones que muitos juravam observar, mas, em realidade, faziam a leitura dos textos ao sabor de suas idiossincrasias.

Ponderei ao Dr. Sylvio, como seu assessor, que seria bom para a Magistratura contar com mais um poeta. Já existiam, é verdade, alguns pouquíssimos versejadores. Mas ninguém a realizar uma poesia avançada, além de moderna.

Ele foi aprovado. Na certa, foi cientificado de que eu intercedera em seu favor. Tornou-se um fiel seguidor de meus conselhos. E precisou deles, principalmente no início da carreira.

Assustou-se com a burocracia, com o ritualismo, não assumiu de imediato a “persona” que se espera de um Juiz. Teve alguns contratempos no período de vitaliciedade, em que observadores mais experientes fiscalizavam a atuação dos novatos.

Régis Bonvicino não era convencional. Era alguém cujo pensamento está bem distante do procedimentalismo, das praxes cartorárias, do ambiente forense. Estranhou. Procurava-me continuamente.

Cheguei a dizer a ele que confiasse na sua competência técnica e na sapiência adquirida no manejo do vernáculo. Quem faz poesia conhece mais da vida do quem apenas decorou o enciclopédico acervo de informações ainda hoje exigido para a modalidade anacrônica de recrutamento para as carreiras públicas jurídicas. É aprovado quem decora a legislação, a doutrina, a jurisprudência.

Empatia, sensibilidade, compaixão, saber ocupar o lugar do próximo, isso não se exige do candidato. E faz muita falta. Quem decora nem sempre é um profissional credenciado a solucionar problemas alheios, a contribuir para aliviar a carga de sofrimento que recai sobre todos os humanos, principalmente aqueles que precisam percorrer o calvário da Justiça.

Régis permaneceu na Magistratura. Ingressou em 1990 e em 2022 chegou à segunda instância. Judicava na 22ª Câmara de Direito Privado.

A última vez em que estive com ele foi na Funeral Home, no velório de sua filha. Estava abatido, como é natural. Inversão da ordem cronológica é uma bofetada. Mas quando quem vai é a cria, o genitor perde o norte.

Talvez essa perda tenha acentuado o sabor amargo de sua poesia, bem hermética para o front excessivamente burocratizado do sistema Justiça. Para mim, continuará a ser aquela criatura apreensiva, quase que assustada, a evidenciar surpresa diante dos acontecimentos propiciados à apreciação de um julgador. Resta aos críticos analisar a sua produção de antes e depois do Judiciário, para detectar a influência que esse universo exerceu sobre a poética de Régis Bonvicino.

 

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