Clube de Leitura traz novo olhar sobre a obra ‘A Insustentável Leveza do Ser’, de Milan Kundera

4 de julho de 2024

“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”. Esta frase do filósofo Heráclito de Éfeso bem poderia definir o tom das conversas do Clube de Leitura da Apamagis de julho. Isso porque o livro “A Insustentável Leveza do Ser”, de Milan Kundera, voltou a ser discutido no Clube, não só com um debate renovado como também com uma percepção diferente obtida pelos participantes. O encontro contou com a convidada Fabiana Secches, psicanalista e crítica literária, e teve mediação da magistrada Danielle Martins Cardoso.

“Foi uma grata surpresa, como se eu tivesse lido um livro novo”, disse Danielle Martins Cardoso sobre seu reencontro com a obra. Ela contou que se emocionou logo nos primeiros capítulos e gostou especialmente da figura do narrador, que foge do lugar-comum.

Em “A Insustentável Leveza do Ser”, as histórias de Tomas, Tereza, Franz e Sabina se entrelaçam, e cada um, a seu modo, tenta lidar com o peso e a opressão em suas vidas. A história se passa em Praga, na antiga Tchecoslováquia, durante a ocupação russa.

Segundo Fabiana Secches, é possível “puxar muitos fios” ao interpretar “A Insustentável Leveza do Ser”. “Esse livro pede uma relação de multidisciplinariedade para que se possa aproveitá-lo na sua complexidade”, disse a psicanalista. “Dá para conversar sobre ele só a partir da qualidade literária, ou só das questões filosóficas e éticas que suscita, ou ainda é possível falar que é um romance histórico, porque conta um período muito específico na Tchecoslováquia”, explicou.

Para o encontro, Fabiana Secches preferiu não se aprofundar na discussão sobre o contexto político, por esse ser, na sua opinião, o caminho mais óbvio e por já ter sido muito comentado, até por conta da própria história do autor. No entanto, deu um contexto geral sobre esse aspecto da obra.
“Milan Kundera se exilou na França por motivos muito parecidos com os que encontramos no livro. Foi condenado porque era crítico da invasão da União Soviética que aconteceu em 1968, que é mais ou menos quando se passa o livro.” Essa ocupação, como explicou a convidada, reprimiu a chamada Primavera de Praga, movimento de redemocratização do país.

“Kundera era crítico do comunismo não como ideia, mas da ocupação soviética da maneira como se deu, violenta, opressora. Esse é o contexto da narrativa e a chegada dos tanques soviéticos a Praga é importante para o livro”, disse. O autor de “A Insustentável Leveza do Ser” só voltou a ter cidadania em 2019, apenas quatro anos antes de morrer.

Segundo Fabiana Secches, enquanto faz essa crítica política no livro, Kundera também conjuga isso muito bem com as vidas pessoais de seus personagens, que ocupam espaços importantes para refletir sobre esses conceitos supostamente opostos, essas pseudo-dualidades. “Ele já abre o livro com a menção ao eterno retorno do Nietzche e o contrapõe ao contexto da leveza segundo o filósofo grego Parmênides, mas se a gente pensar bem, essa ambivalência está no título. Como uma leveza é insustentável? Parece que é bonito esse jogo de palavras muito bem traduzido para o português, que é uma leveza difícil de sustentar”, disse.

“A contradição pesado/leve é a mais misteriosa e a mais ambígua de todas as contradições”, escreve Kundera nas primeiras páginas do livro. E já nesse ponto da obra, o narrador faz suas reflexões acerca dessas dualidades. Segundo a palestrante, isso vai estruturar todo o livro, inclusive a construção de personagens.

A leveza e o peso aparecem, por exemplo, na relação entre Tomas e Tereza. Supostamente, ele vive de maneira leve e descompromissada, sem tantos vínculos. Já Tereza é o oposto: ela é o peso, no sentido de ter profundidade, sensibilidade, compromisso e entrega. “O peso dessa entrega dela muitas vezes é difícil para o Tomas compreender, mas tem algo aí que o seduz”, comentou Fabiana Secches. Sob a ótica da psicanálise, pode ser uma relação complementar, na medida que um tem o que falta no outro. Mas essas oposições tratadas no livro também podem evocar os conceitos da psicanálise de pulsão de vida e pulsão de morte.

Faz toda a diferença no livro a figura do narrador, que surpreendeu ainda mais Fabiana Secches nessa releitura. “É muito raro que a gente tenha na literatura um narrador personagem que não faz parte da história”, disse. Esse narrador não é convencional, segundo a convidada, pois não fala na primeira ou na terceira pessoa, mas apresenta algo de onisciente, de entidade. “Ele tem opiniões e faz comentários o tempo todo. Essa figura e o jeito que é construída são estruturantes para este romance.”

“A Insustentável Leveza do Ser” também foi levado aos cinemas em 1988, em uma adaptação dirigida por Philip Kaufman, e com Daniel Day-Lewis e Juliette Binoche nos papéis de Tomas e Tereza, respectivamente.

No encontro do Clube de Leitura, vários participantes disseram preferir o livro ao filme. O livro, segundo Fabiana Secches, é em geral aclamado pela crítica. “Ele é considerado obra-prima do Milan, que escreveu contos, outros romances e ensaios lindíssimos.”

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