Em ‘O Processo Maurizius’, jovem questiona sentença judicial na Alemanha marcada pela ascensão nazista
Trama detetivesca que envolve o Judiciário alemão no período de ascensão dos nazistas na Alemanha, “O Processo Maurizius”, de Jakob Wassermann foi tema de discussão do Clube de Leitura da Apamagis de maio. Convidado da vez, o acadêmico Ronald Robson fez uma explanação clara e envolvente da obra, apontando o desenvolvimento da trama, seus personagens e contextualizando a produção no período histórico. O encontro teve mediação da magistrada Danielle Martins Cardoso.
O livro, como o próprio nome indica, tem como ponto central um julgamento. Neste caso, de Leonhart Maurizius, professor acusado de matar a esposa em uma história que envolve mais de uma morte. A história começa 18 anos após esse julgamento, quando o jovem Etzel Andergast, então com 16 anos, retoma esse caso no qual trabalhou seu próprio pai, o Barão Wolf Von Andergast, então um tipo de promotor da acusação.
Etzel Andergast é lançado nessa busca após conhecer Peter Paul Maurizius, pai de Leonhart, que jura a inocência do filho. A busca de Etzel pela verdade e pela Justiça também o levará a descobrir a história da mãe, que fora afastada do menino após a descoberta de que ela traíra o Barão Von Andergast. Assim, Etzel irá atrás de Gregor Waremme, que havia sido uma referência do meio acadêmico e era próximo do professor Leonhard Maurizius à época do crime. Aliás, as histórias de Waremme, Maurizius, da esposa dele e da cunhada estarão entrelaçadas.
“O Processo Maurizius” é o primeiro livro de uma trilogia, que segue com “Etzel Andergast” e com “A Terceira Existência de Joseph Kerkhoven”. No entanto, como frisa Ronald Robson, “O Processo Maurizius” bem poderia se chamar Etzel Andergast, tamanha é a participação do personagem.
“Isso leva muita gente a tratar ‘O Processo Maurizius’ como um romance de formação de Etzel Andergast”, disse Ronald Robson. “Romance de formação”, como esclareceu o palestrante, é um termo técnico de larga tradição na Alemanha, que designa um tipo de romance que teve como modelo “Os Anos de Aprendizado de Wilhem Meister”, de Goethe (1749-1832).
“No romance de formação, a gente pega um personagem geralmente jovem e acompanha o desenvolvimento dele, problema a problema, enlace a desenlace, dando oportunidade ao romancista para situar o personagem em certa confluência de ideias, confronto ideológico e em certo retrato de sua sociedade. São convenientes para retratar determinados meios sociais, como neste livro”, disse Ronald Robson.
Ascensão do nazismo
A obra de Wassermann é também um grande retrato da República de Weimar (1919-1933), período entre guerras na Alemanha, marcado por crise econômica e ascensão do nazismo, que fez de Hitler chanceler alemão em 1933.
Wassermann escreveu “O Processo Maurizius” em 1928. Nascido em uma família judaica de comerciantes na Alemanha, ele vivia um momento em que judeus mais modernos tentavam se distanciar das tradições para buscar uma integração maior com a sociedade, ajudando a moldá-la também dentro de uma visão mais cosmopolita.
“Esse problema da inadequação que Wasserman sentiu na própria vida foi dramatizado por um personagem que em alguma medida se trata de um alter ego do ator, Waremme no caso, pelo fato que, como se descobrirá, é um personagem que levou vida dupla”, disse Ronald Robson. “Waremme era a personificação desse judeu que tentou se desprender de suas raízes e ascender ao estrelato das letras alemãs daquele momento.”
Para o autor, buscar inserção no meio literário mais cosmopolita era, de algum modo, algo doloroso, mas seu trabalho foi bastante proeminente. “Na primeira metade do século 20, seus livros foram publicados na Inglaterra, na França, nos Estados Unidos. Ele tinha ampla circulação para além da República de Weimar. Mas, com a ascensão nazista, seus livros são confiscados, queimados. Ele é proscrito e tem de sair de lá” contou Ronald Robson.
Embora hoje suas obras não tenham a mesma popularidade que a de famosos conterrâneos e contemporâneos, Wassermann vendia mais livros que Hermann Hesse (1877-1962) e Thomas Mann (1875-1955), dos quais era amigo. No entanto, seus detratores diziam haver um sentimentalismo exacerbado nas obras de Wassermann. “Suas tramas muitas vezes eram dadas a excessos, até mesmo a certo tom romântico, não no sentido sentimentalista, mas exagerado, algo que transborda certos limites do comportamento humano usual”, explicou Ronald Robson.
Narrador onisciente
Para o palestrante, porém, não é por isso que as obras de Wassermann ganharam menos visibilidade, mas sim porque na segunda metade do século 20 a técnica romanesca que empregava soava antiquada. “Ele cria por narrador onisciente, extremamente onisciente. É narrador que consegue cometer até algumas indiscrições que quebram a ilusão romanesca.”
Isso não torna a obra de Wassermann menor. Para Ronald Robson, da mesma forma que a grande literatura russa do século 19 – com Tolstói, Dostoiévski e outros – oferece um retrato vívido do que foi a Rússia naquele momento, há uma plêiade de escritores alemães, como Wassermann, Hermann Hesse e Thomas Mann que fizeram retrato extremamente complexo da sociedade de língua alemã.
Embora Wassermann seja mais dado a enredos complexos, como afirmou Ronald Robson, todos têm certo teor ensaístico, ainda que viessem disfarçados de diálogos. “Dostoiévski tem dezenas de páginas de diálogos entre dois ou mais personagens que fazem confrontos de ideias. “Nosso Wassermann pode com bastante proveito ser visto sob essa ótica, desde que não seja reduzido a mero propositor de debates. Era um grande dominador da forma romanesca. Era mestre do romance e da sutileza psicológica”, disse.
Ao final da exposição sobre o livro, os participantes levaram Dostoiévksi ao debate, fazendo um paralelo de “O Processo Maurizius” e “Irmãos Karamázov”.
Dostoiévksi, aliás, será tema dos dois próximos encontros online do Clube de Leitura. O foco será ‘O Idiota” com discussão de metade do livro no dia 4/7, às 19h, e a outra metade, em 8/8, também às 19h. Associados podem se inscrever gratuitamente. Basta encaminhar nome e número de celular pelo e-mail clubedeleitura@apamagis.org.br.
Sobre o palestrante
Doutorando em teoria e história literária na Unicamp, Ronald Robson é tradutor em inglês, espanhol e italiano e fez revisões técnicas em francês. Jurado de vários concursos literários, um dos selecionados do projeto Rumos, do Itaú Cultural. Professor, coordenador do projeto Convivium – Seminário Permanente de Humanidades, e atividades editoriais. Foi editor da “Nabuco – Revista Brasileira de Humanidades”. É autor de ensaios literários.
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