“O Deserto dos Tártaros” gera debate sobre a forma como as pessoas lidam com o tempo, no Clube de Leitura

10 de novembro de 2020

A postura do militar Giovani Drogo, que passa décadas de sua vida esperando pelo dia em que lutará com os inimigos e terá sua glória, foi o tema mais debatido no Clube de Leitura da Apamagis, realizado no dia 3/11. O tema do encontro foi o livro “O Deserto dos Tártaros”, do italiano Dino Buzzati, e contou com 43 participantes.

Na trama, o jovem tenente Drogo é enviado para uma fortaleza no meio do nada, onde ele e as tropas vivem uma rotina pautada por uma disciplina rígida, à espera do inimigo.

A magistrada Danielle Martins Cardoso, mediadora do Clube de Leitura, puxou o debate sobre o protagonista. “Sobre os personagens, há uma pergunta que não se cala, como ocorre em ‘Dom Casmurro’, em que ficam perguntando se Capitu traiu ou não. Aqui a questão é: por que Giovani Drogo resolveu ficar?”

A mediadora diz ter refletido sobre as razões dessa escolha. “Penso por que ele não foi embora. Se era inerte, passivo, ou se quis ficar, e puxei um pouco para a minha vida: onde está nosso forte Bastiani? Em que momento a gente tem uma decisão desse tipo? Houve falta de decisão por parte de Drogo ou ele de fato resolveu ficar?”, questiona.

Para uma das participantes, o protagonista teve uma vida medíocre por escolha própria, e entende que o romance de Dino Buzzati revela “o poder da apatia”. Para outros participantes na sala, não era questão de apatia, mas de escolha. E de uma escolha consciente e tranquila.

Houve, ainda, quem dissesse enxergar a postura de Drogo como algo entre o sonho e a apatia. Nessa lógica, o militar não perde a esperança de viver sua gloria, mas também não encontra forças para mudar seu rumo.

A forma de lidar com o tempo acabou suscitando reflexões sobre a própria vida na Magistratura, quando juízes são enviados para Comarcas distantes de sua cidade de origem, sem ter ideia de quando poderão retornar ou serem removidos. Também surgiram lembranças pessoais de familiares em situação de guerra.

Um dos magistrados tomou o tempo como gancho para traçar um paralelo com “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann, em que a forma como se lida com o tempo mostra a relatividade da existência. Nesse livro, um jovem vai a um sanatório para visitar o primo e tratar de uma anemia, mas uma piora na saúde o obriga permanecer no local por tempo indeterminado.

O escritor José Fernando Mafra Carbonieri, titular da cadeira 26 da Academia Paulista de Letras, destacou que muitos personagens de “O Deserto dos Tártaros” sequer têm personalidade própria. São figuras que se perdem no meio de tantos outros mergulhados na rotina e, por isso, incapazes de despertar empatia.

“Drogo, que recebe o foco principal, é uma figura triste, não suscita o nosso entusiasmo, é um homem que espera o tempo passar, um militar que espera a guerra. As personagens não geram empatia. Algumas não são nem lembradas. Qual é a grande personagem nesse livro extraordinário? O tempo”, disse Mafra Carbonieri.

Um tempo que na trama de Dino Buzzati se esvai, enquanto a água da cisterna jorra sem parar. Sem que alguém estanque o vazamento. Sem que ninguém se incomode com o barulho constante. A dado momento, todos se acostumam.

Shakespeare
O Clube de Leitura da Apamagis terá mais uma edição neste ano, no dia 1º/12, com o debate sobre “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare. A crítica literária Elizabeth Cardoso é a convidada especial, que recomenda aos participantes a leitura da obra com tradução de Barbara Heliodora. As inscrições estão abertas pelo clubedeleitura@apamagis.org.br.

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