Obra da jornalista Betina Anton revela vida de Josef Mengele, médico nazista que viveu em São Paulo

30 de outubro de 2024

O Clube de Leitura discutiu, no último dia 29/10, o livro “Baviera tropical”, da jornalista, Betina Anton. A juíza Renata Manzini mediou a atividade, que contou com a presença da própria autora. A obra relata a história de Josef Mengele, médico nazista que viveu quase 20 anos foragido no Brasil.

Mengele era um dos principais médicos do campo de concentração de Auschwitz durante a Segunda Guerra (1939-1945). Conhecido como “Anjo da Morte”, assassinou milhares de prisioneiros – em sua maioria judeus. Muitos deles foram utilizados como cobaias em experimentações científicas que buscavam provar a superioridade da raça ariana sobre as demais.

A publicação de “Baviera tropical” custou à jornalista seis anos de trabalhos exaustivos no exterior e no Brasil. O livro rendeu a Anton, entre outros, o Prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) em 2013, na categoria “Biografia”, além de ter sido semifinalista do Prêmio Jabuti na categoria “Não Ficção”, em 2024.

Correspondente internacional da Rede Globo, um dos méritos de Anton relaciona-se ao extenso trabalho investigativo baseado em entrevistas inéditas, documentos oficiais e dezenas de cartas do próprio Mengele a amigos, familiares e pessoas próximas. Entre elas, uma ex-professora da jornalista que, secretamente, abrigou Mengele.

Arquivos do Mossad
“Das pesquisas que realizei fora do Brasil para escrever o livro destaco a que me propiciou acesso aos documentos do Mossad [agência de Inteligência de Israel]. São documentos sobre as caçadas aos nazistas. Como os papéis estavam em hebraico, consegui traduzi-los por meio de amigos em Israel e do diretor do Museu Judaico de Nova Iorque. A pesquisa envolveu muita persistência para chegar aos documentos e às pessoas envolvidas”, afirmou a jornalista.

Descendente de alemães e ligada à colônia em São Paulo, Anton teve entre suas motivações para escrever o livro o interesse em saber como a comunidade alemã lidou com a presença do médico nazista na cidade de São Paulo — a capital paulista também teve entre seus moradores outros militantes nazistas.

“O livro se refere a Mengele, mas também à minha infância. Frequentei uma escola alemã, uma igreja luterana, meu pai trabalhou em uma multinacional alemã. Como jornalista, achava importante investigar que comunidade era essa. Era, realmente, um antro de nazistas que recebeu Mengele de braços abertos? O que essas pessoas pensavam sobre isso? É assustador como esses criminosos nazistas puderam circular aqui no Brasil tranquilamente e como discutimos pouco sobre esta questão”, pondera.

Seja como for, o fato é que o “Anjo da Morte”, após a queda do Terceiro Reich, veio para a América do Sul, onde viveu de forma anônima, protegido por amigos que preservaram sua identidade. O primeiro abrigo de Mengele foi na Argentina, comandada à época por Juan Domingo Perón, que assim como Getúlio Vargas chegou a flertar politicamente com o nazismo. Com a queda de Perón, Mengele abandonou a esposa e mudou-se para o Paraguai, então governado pelo ditador Alfredo Stroessner.

Com o Mossad em seus em seus calcanhares, em outubro de 1960 Mengele fugiu para o Brasil e fez de São Paulo sua morada por quase 20 anos. No estado, sob o pseudônimo Peter Hochbichler, circulou entre os municípios de Nova Europa, Serra Negra, Caieiras e Diadema até 1979, quando morreu afogado em uma praia em Bertioga, no Litoral paulista.

Ponte para o Brasil
A corda de salvação foi estendida a Mengele por um ex-militar nazista que, além de amigo de Perón e de Stroessner, tinha ótima conexões na América do Sul e um contato no Brasil – Wolfgang Gerhard, que morava em Campo Limpo (bairro de São Paulo). “Foi assim que, do Paraguai, ele chegou ao Brasil. Gerhard – ex-cabo do Exército alemão, nazista de carteirinha e fugitivo da Áustria — tornou-se grande amigo de Mengele e possibilitou que este fosse acolhido por outra família, dona de um sítio em Nova Europa”, afirma a jornalista, para quem nem todas as pessoas que acolheram seu personagem eram nazistas.

Deste périplo do médico nazista até o Brasil, um dos pontos que interessou à jornalista relaciona-se ao imaginário popular criado em torno do médico. “Mengele tinha um cargo alto, era capitão da SS [Esquadrão de Proteção —Schutzstaffel], vinha de uma família rica, tinha dois doutorados em faculdades de prestígio em Munique e Frankfurt. Não estamos falando de um louco. Fiz questão de deixar isso muito claro em meu livro. Em muitos momentos, ele é pintado como um pseudocientista ou cientista maluco. Aí, a gente torna o Mengele como exceção de um sistema e não discute esse sistema e a ideologia que estavam por trás”, diz.

Questionada sobre o fato de Mengele ter conseguido se estabelecer no Brasil e lançado sobre o País o rótulo de negligente para com criminosos internacionais, a jornalista aponta a necessidade de contextualizar o período histórico em que se deram os acontecimentos que se transformaram em matéria-prima de sua obra.

“Entre 1960 e 1979 — época em que ele morou no Brasil — não havia internet, mas muitos boatos sobre seu paradeiro. Hoje, sabemos o que aconteceu. Mengele veio para o Brasil não por causa desse jeitinho, mas pelos contatos que ele tinha, pelo fato de sermos um país grande. Mengele também teve a lealdade dos amigos até o final. Porém, sem dúvidas, ele acabou virando um símbolo de que o Brasil é um país que recebe criminosos”, afirma a jornalista.

 

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