Aprovação do Juiz das Garantias se deu em meio à distorção de informações, diz professor Mauro Fonseca Andrade

11 de novembro de 2021

A Apamagis promoveu nesta segunda-feira (8/11), pela plataforma Zoom, um evento virtual com debate e palestra sobre o instituto do Juiz das Garantias. O palestrante foi o promotor de Justiça do Rio Grande do Sul, escritor e professor da UFRGS Mauro Fonseca Andrade, que estuda o tema há cerca de dez anos. Além dele, o evento contou com a participação da presidente da Apamagis, Vanessa Mateus; do professor, promotor aposentado e escritor, Fernando da Costa Tourinho Filho; do juiz e diretor do Departamento do Centro de Estudos da Apamagis, Gilson Miguel Gomes da Silva; do professor e promotor de Justiça do Acre Danilo Lovisaro; do deputado federal, João Campos (Republicanos-GO), relator do novo Código Processual Penal na Câmara, entre outros.

A palestra, que contou com mais de 100 participantes, foi aberta pela presidente Vanessa Mateus. Ela explicou que o evento não tinha como objetivo criticar ou elogiar a figura do Juiz das Garantias, mas sim contribuir para um melhor entendimento sobre este novo instituto. “Nós falamos muito sobre o Juiz das Garantias, se deve ou não ser implantado, mas a verdade é que será implantado no processo brasileiro. Então, está na hora de discutirmos efetivamente qual o objetivo deste recurso, como podemos aperfeiçoar e como esta sendo interpretado de forma equivocada. A conclusão é que o modelo foi importado ao sistema brasileiro por motivos, eventualmente, equivocados.”

Vanessa Mateus fez a abertura da palestra sobre o Juiz das Garantias

O palestrante iniciou sua fala agradecendo a Apamagis e todos os magistrados paulistas pelo prestígio e pela iniciativa de debater essa importante pauta. Mauro Fonseca Andrade ressaltou que a imparcialidade é a essência do trabalho de um juiz. “Alguém é contra a imparcialidade do juiz? Ninguém pode ser contra. É da essência do Poder Judiciário. Antes mesmo do Judiciário se converter em poder, a lógica do julgador é que ele tenha aquela equidistância entre os dois indivíduos, ou seja, das partes do processo.”

O professor da UFRGS afirmou que, apesar da figura do Juiz das Garantias já estar em processo de implementação no Brasil, ainda é preciso discutir muito este tema. Para ele, a discussão sobre este instituto foi rasa e repleta de erros grosseiros, na comparação com outros países: “O que pude ver é que toda a energia gasta na tramitação desse ponto do Juiz de Garantias não é fruto de um trabalho sério de comparação. Ao contrário. Pelo que encontrei ao longo desses dez anos de estudo sobre o tema, nenhum argumento se sustenta, nenhuma citação internacional se sustenta”.

Por falar em comparação com sistemas de outros países, Mauro Fonseca Andrade lembrou de um paralelo que não foi feito pelos parlamentares na discussão do Juiz das Garantias. “No projeto de 2009, que criava o Juiz das Garantias, e nesse atual, de 2019, foi colocada uma vedação do juiz atuar na fase de investigação, que eu não vejo problema, mas vedou também a atuação do juiz na fase probatória. Nesse último caso, vejo que houve um equívoco. Essa vedação do juiz na fase probatória historicamente só existiu em um sistema: no inquisitivo, por exemplo, a inquisição espanhola e a inquisição portuguesa. Há documentos que comprovam isso, apontam essa mesma configuração.”

O palestrante da noite, Mauro Fonseca Andrade, estuda a figura do Juiz das Garantias há mais de 10 anos

Os equívocos na comparação com o Tribunal Europeu de Direitos Humanos

O professor da UFGRS também refutou três dos principais argumentos apresentados nas discussões sobre a aprovação do Juiz das Garantias no Congresso Nacional. Segundo o palestrante, esses argumentos distorceram a realidade para dar o entendimento de que o Brasil precisava deste novo instituto. “O primeiro caso citado que é o Piersack versus Bélgica não tem nada a ver com Juiz das Garantias. Trata-se de um membro do MP que se tornou julgador. Ele investigou o caso e depois se tornou magistrado. Esse caso chegou ao Tribunal Europeu, e ele foi afastado. Mas isso não é pressuposto para termos o Juiz das Garantias. Esse impedimento nós já temos no nosso CPP desde 1940. Um membro do MP que participou da fase de investigação do caso não pode ser o julgador”, esclareceu.

Outro caso citado foi o De Cubber versus Bélgica, que, segundo Mauro Andrade, é ainda mais grave a comparação. “Naquele caso havia um juiz instrutor, uma espécie de delegado na investigação, que foi julgar depois, mas o Tribunal Europeu impediu. Aqui no Brasil, isso também é vetado. Como no caso do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que está conduzindo e instruindo as investigações do processo das fake news. Ele não vai poder ser julgador nem relator deste caso na sequência.”

O palestrante ainda lembrou de outro processo muito comentado pelos defensores do Juiz das Garantias no Brasil, o Castillo Algar versus Espanha. Para Mauro Andrade, a legislação brasileira já impedia que situações como essas ocorressem aqui. “Naquele caso, um juiz do segundo grau de um Tribunal analisou um pedido de arquivamento e não concordou. Aí voltou para o Ministério Público. Só que esse juiz de segundo grau saiu do Tribunal e voltou para o primeiro grau. E por coincidência esse caso caiu para ele novamente no primeiro grau. Esse caso também não se aplica como exemplo ao Brasil. Nós já temos essa previsão de um julgador que atuou em uma instância não poder atuar em outra no mesmo caso”, afirmou.

O Brasil e a presunção de parcialidade

Mauro Andrade também chamou a atenção para uma campanha que ocorre na esteira da aprovação do Juiz das Garantias contra o trabalho do Poder Judiciário no Brasil: “O fato de um juiz atuar na fase de investigação não o torna parcial para a segunda fase processual. Há uma clara confusão entre tomar conhecimento e firmar conhecimento. No Brasil, há uma presunção de parcialidade, ao passo que o Direito estrangeiro adota uma presunção de imparcialidade. Por isso, a figura do Juiz das Garantias é desnecessária para a nossa realidade”.

Por fim, o professor da UFRGS reconheceu a importância de se respeitar a decisão do Congresso Nacional, mas ressaltou que a discussão foi baseada em argumentos inverídicos sobre o instituto do Juiz das Garantias. “Infelizmente, o legislador brasileiro nesse caso se deixou contaminar por informações que não são verdadeiras. Cabe a nós, nesse momento, alertar para isso. O que estamos fazendo aqui hoje é um trabalho de esclarecimento.”

O diretor do Departamento do Centro de Estudos da Apamagis e idealizador da palestra, Gilson Miguel Gomes da Silva

Elogios à palestra

Ao fim da palestra, os demais participantes do evento elogiaram a capacidade técnica e o conhecimento sobre o assunto do palestrante. O idealizador do evento e diretor do Departamento do Centro de Estudos da Apamagis, Gilson Miguel Gomes da Silva, concordou principalmente com relação à distorção das informações que foram trazidas com relação ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos. “Sobre o palestrante, todos puderam ver que o que ele traz está fundamentado e busca na investigação junto ao Tribunal Europeu dentro do processo o que significou aquela decisão. Vimos em alguns termos uma distorção muito grande a respeito desses julgamentos do Tribunal Europeu para tentar se justificar algum interesse, seja ele ideológico ou qualquer outro interesse.”

Professor de Direito desde 1958, Fernando da Costa Tourinho Filho trouxe algumas informações históricas sobre o Juiz das Garantias, como por exemplo sua aplicação na França de Napoleão Bonaparte e no período das duas guerras mundiais. “Napoleão aboliu o Grande Júri e no lugar instituiu o juiz de Direito, que julgava os trabalhos da policia e do Ministério Público, além de encaminhar as provas colhidas ao julgamento. Essa é a origem do Juiz das Garantias. Era ele que fiscalizava o trabalho do delegado, o trabalho do MP e determinava que o réu fosse levado a julgamento pelos jurados.”

Homenageado por todos os participantes do evento, o professor Fernando Costa Tourinho Filho elogiou a palestra

O professor Tourinho também comentou que, ao longo de sua extensa carreira, esta foi uma das melhores palestras que assistiu e concordou com a conclusão de Mauro Andrade sobre os motivos pelos quais o Juiz das Garantias será implementado no Brasil.

Assista a íntegra da palestra aqui.

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