Caminhada Negra promovida pela AMB revela as dores e a resistência do povo negro na Liberdade
Liberdade, o paulistano já sabe: é o nome do bairro dos japoneses na cidade. Liberdade, no entanto, era o que menos havia na região do século 18 até 1888, época em que foi povoada sobretudo por pessoas negras escravizadas. Essa parte da história, tão desconhecida para tanta gente, foi tema da Caminhada Negra promovida pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) no último sábado (23/11), com apoio da Apamagis.
A atividade, que dispunha de dez vagas, contou com a participação de nove inscritos, sete deles magistrados, e foi conduzida pelo jornalista Guilherme Soares Dias, do Guia Negro. Foram cerca de 2 horas e meia de caminhada com paradas em oito pontos principais e algumas intervenções ao longo do percurso.
A praça da Liberdade foi o ponto de partida. Aliás, Praça da Liberdade Japão-África, como passou a se chamar a partir de junho de 2023. Foi ali que o povo gritou “Liberdade! Liberdade! Liberdade!”, pedindo clemência para o militar negro Francisco José das Chagas, o Chaguinhas, condenado à forca por ter estimulado revolta de militares em Santos que reclamavam salários atrasados.
Ali na Praça da Liberdade está a igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados. Um pouco mais adiante, a Capela dos Aflitos, ao lado de um terreno que foi Cemitério dos Aflitos, onde foram sepultadas pessoas negras e indígenas e mortos em enforcamentos no Largo da Forca, agora Praça da Liberdade Japão-África. Os nomes dos locais já sinalizam a crueldade daqueles tempos.
No trajeto, o grupo parou diante de um lugar bastante familiar para os magistrados: o Fórum João Mendes Júnior, que foi cadeia pública. Ao lado do prédio, havia o pelourinho, onde pessoas eram açoitadas. “Era um caminho de dor”, disse o guia Guilherme Soares Dias.
Se houve dor, houve resistência e beleza na história revelada durante a Caminhada Negra. Teve parada para falar de Zumbi dos Palmares diante de sua estátua na Praça Antonio Prado, a lembrança de uma fonte histórica criada pelo artista negro Joaquim Pinto de Oliveira, conhecido como Tebas, e uma parada no Largo São Francisco para falar não só de outra obra desse artista, mas também para relembrar o advogado e jornalista Luiz Gama, tema da Caminhada Negra promovida pela AMB com apoio da Apamagis no ano passado.
No final, uma parada na casa Preta Hub, onde a cultura negra se revela em livros e exposições, e onde se mostra o empreendedorismo de pessoas negras.
Apagamento
Ao mesmo tempo que em essa história é trazida à tona em trabalhos como o da Caminhada Negra, há uma luta contra o apagamento dessa história do povo negro, luta essa que também se reforça com a instituição, neste ano, do Dia da Consciência Negra como feriado nacional.
Durante a Caminhada, Guilherme Soares Dias citou, por exemplo, o caso das tradicionais luminárias japonesas (suzurantos) retiradas da Rua dos Aflitos dias antes do evento, a pedido do movimento negro. A ideia era dar mais visibilidade à Capela, tombada pelo patrimônio histórico, e que fica no final da rua, uma pequena via sem saída.
“Eram seis luminárias, duas quase em cima da igreja, duas no meio da rua e duas no começo, e quando veio a notícia muitas pessoas falavam ‘meu Deus, tiraram as luminárias!’ Não, pessoal, isso só aconteceu em 100 metros de rua e elas foram colocadas em outra via. Não temos menos luminárias na Liberdade”, disse o guia durante o passeio. Ele falou que também é reivindicada uma placa na entrada da via sinalizando que ali há a igreja.
“A Caminhada Negra é impressionante, porque ainda que a gente já tenha participado uma vez, duas ou três, sempre tem algo novo, uma informação a mais. Desta vez, foi possível entrar na Capela dos Aflitos [em reforma]. É sempre muito rica, interessante e acho que deve ser mais divulgada ainda entre os colegas e familiares”, disse a juíza Livia Antunes Caetano, que representa a Apamagis na Diretoria de Igualdade Racial da AMB. No evento, a magistrada representou o presidente da Associação, Thiago Massad.
Conhecer a luta do movimento negro para resgatar sua história foi um dos pontos que chamou atenção da desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida, aposentada do TJSP. “A Caminhada faz com que a gente compreenda não só a história, mas entenda que ela precisa ser resgatada e contada para as novas gerações, e esse é um desafio para todos nós da cidade de São Paulo.”
Na visão da desembargadora, a Caminhada Negra é uma atividade importante para que juízes possam compreender a vulnerabilidade que a comunidade negra ainda enfrenta em São Paulo “não só no dia a dia, mas no trabalho, na moradia, nas condições de emprego e principalmente na condição de mulheres negras, que muitas vezes sofrem vulnerabilidades ainda maiores e mais acentuadas do que as mulheres brancas”.
A juíza da 4ª Vara de Boituva, Liliana Regina de Araújo Heidorn Abdala, que foi ao passeio acompanhada da filha de 12 anos, ficou surpresa ao ouvir do guia que só há dez estátuas de pessoas negras em São Paulo, dentro de um universo de cerca de 390 na cidade.
“Me surpreendeu passarmos por tantos lugares construídos por pretos e que foram completamente invisibilizados. A fonte criada pelo Tebas, onde eles se reuniam, é um bom exemplo. As poucas coisas positivas que tinham e que podiam usufruir livremente, o branco tirou.” A magistrada também citou a existência de uma sinalização pública ainda muito discreta sobre esses locais históricos na Liberdade.
Ação nacional
Esta IV edição da Caminhada Negra da AMB está sendo promovida em 11 capitais. O evento marca o Dia da Consciência Negra, celebrando o valor histórico da cultura e do legado do povo negro, além de reconhecer sua contribuição para a formação da sociedade brasileira.
“Este evento foi concebido para permitir que conheçamos nossas cidades sob uma nova perspectiva, e nos sensibilizarmos para a temática étnico-racial”, disse o diretor de Igualdade Racial da AMB e vice-presidente da AMMA (Associação dos Magistrados do Maranhão), juiz Marco Adriano da Fonseca.
A Caminhada seria realizada primeiramente em Salvador, no dia do feriado nacional da Consciência Negra. Nas demais dez capitais, a mobilização ocorrerá até 30 de novembro. No sábado (23/11) também seriam realizadas caminhadas em São Luís (MA), Macapá (AP) e Porto Alegre (RS), além de São Paulo. No dia 30/11, as comemorações acontecerão em Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Fortaleza (CE) e Rio de Janeiro (RJ).
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