Em palestra da Apamagis Cultural, José Renato Nalini diz que a Literatura socorre a Magistratura

2 de abril de 2021

Direito e Literatura caminham juntos. Seja na produção de um texto para um processo, seja na presença da lei e sua aplicação em obras literárias na forma de citação ou inspiração. Os dois caminhos e os dois temas se entrelaçaram ao longo das quase duas horas de duração da palestra “Direito e Literatura para Magistrados” com o ex-presidente do TJSP e presidente da APL (Academia Paulista de Letras), desembargador José Renato Nalini.

O encontro, ocorrido na terça-feira (30/3) pelo canal da Apamagis no YouTube, foi acompanhado ao vivo por 75 pessoas, entre elas os ministros Eros Grau (STF) e Sidnei Beneti (STJ).

Além de Nalini, participaram o desembargador aposentado, escritor e membro da APL José Fernando Mafra Carbonieri, como mediador; a presidente da Apamagis, Vanessa Mateus; e a juíza Ana Brugin, representando o Ipam (Instituto Paulista de Magistrados).

Vanessa Mateus disse que a palestra é resultado de um trabalho que ganhou corpo na pandemia, as atividades a distância, e que vem conquistando cada vez mais o interesse de magistrados.

”Percebemos que as pessoas tinham sede desses assuntos de arte, literatura, cinema e teatro, e hoje chegamos a atingir 90, 100 pessoas em um único encontro”, afirmou a presidente.

Essa palestra, disponível no canal da Apamagis no YouTube, por exemplo, já teve mais de 350 visualizações.

O Direito na Literatura
Mafra Carbonieri foi quem buscou, em sua fala inicial, mostrar um recorte sobre o Direito na Literatura. “Falar só sobre Direito e Literatura é mostrar como a linguagem percorreu o tempo, revelando o Direito. Então, vamos parar em 800 a.C, em Homero”, disse o escritor, citando a “Ilíada”, do autor, para em seguida lembrar “Antígona”, de Sófocles, na qual a protagonista luta para ter o direito de sepultar seu irmão.

Esses livros, para Mafra Carbonieri, simbolizariam o Direito no sentido sagrado, divino. Somada a outras duas palavras, alegoria e humano, completariam o resumo da história da linguagem no Direito. Como exemplo de alegoria, citou “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, obra que aborda pecado, penas, penitência e crimes. “Aqueles nove círculos ou patamares do inferno são uma alegoria do castigo, da sanção condenatória”, disse Mafra Carbonieri.

O humano estaria na obra de Shakespeare. Mafra Carbonieri recorre ao livro “A Invenção do Humano”, do crítico literário Harold Bloom, para lembrar como o autor inglês levou às suas obras a criminalidade, ódio, ciúme, assassinato e mesmo amor e suas consequências, criando uma zona por onde passam a linguagem literária e o Direito. “Shakespeare não comete nenhum erro de Direito da época. Ele é fiel ao exame do Direito”, acrescentou.

A Literatura no Direito
Após a fala de Mafra Carbonieri, o desembargador José Renato Nalini se debruçou sobre a Literatura no Direito e a importância dos livros e do domínio da escrita para os magistrados. “Trabalhar na jurisdição é ter desenvoltura com as palavras. A palavra é o único instrumento de trabalho do profissional de Direito”, disse.

Para o palestrante, uma palavra mal colocada, uma compreensão equivocada ou uma inaptidão para exprimir-se pode pôr em risco a liberdade, o patrimônio e a honra alheia. “É uma imensa carga a recair sobre os ombros de quem escolhe a Magistratura como opção de vida. Em tese, portanto, toda juíza e todo juiz são literatos.”

O desembargador Nalini defendeu a ideia de, a despeito de toda produtividade cobrada, os magistrados tenham a possibilidade de se esmerar na qualidade dos textos em seu oficio. Textos que mesmo primando pela excelência literária, pela qualidade da argumentação e pelo sentido prático não sejam prejudicados no seu entendimento por emprego desnecessário de vocabulário pouco usual, com a intenção de exibir talvez pretensa erudição.

A escrita é um desafio presente mesmo entre autores consagrados, como disse Nalini, ao citar as palavras fugidias que inspiraram Carlos Drummond de Andrade em seu poema “O Lutador” (Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã…). Também lembrou de Graciliano Ramos, destacando o labor de lavadeiras no rio como metáfora para obter uma boa escrita.

O desembargador sugeriu aos colegas magistrados que escrevam, nesses tempos de pandemia, sobre as próprias memórias: as primeiras recordações da infância, pessoas que se foram, experiências boas e frustrantes. E que também usem a Literatura para aprimorar a escrita profissional.

“A Literatura existe para socorrer a Magistratura. O juiz tem que ler bastante, inspirar-se na imensidão da obra escrita dessa estupenda aventura humana. É uma oportunidade única de penetrar em brilhantíssimas consciências de seres fabulosos que já não estão mais entre nós, mas que deixaram um ensinamento atemporal. Há pouco recebemos a mensagem de Umberto Eco, tão verdadeira: “Quem não lê, aos 70 anos terá vivido só uma vida, a sua. Os que leem terão vivido 5 mil anos. Ler é a imortalidade de trás para frente”

Ao final, José Renato Nalini e Mafra Carbonieri responderam a perguntas do público, comentando, por exemplo, redes sociais e literatura, obras que gostariam de ter escrito e a experiência de ambos de viver e exercitar tanto o Direito quanto a Literatura.

Antes de encerrar, Vanessa Mateus ainda anunciou que no próximo dia 6/4, a escritora Giovana Madalosso estará presente na edição de abril do Clube de Leitura da Apamagis, para comentar sua própria obra “Tudo Pode Ser Roubado”.

A juíza Ana Brugin destacou que na sequência, em 4/5, a discussão do Clube de Leitura será sobre “Um Estudo em Branco e Preto”, de Mafra Carbonieri.

Assista à palestra na íntegra:

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