“A força do Direito deve prevalecer em detrimento do direito da força”, adverte Flávia Piovesan em assembleia da FLAM
“A força do Direito deve prevalecer em detrimento do direito da força”, advertiu a jurista, professora e ex-membro da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), Flávia Piovesan, quanto à intensificação de ataques à independência do Poder Judiciário na América Latina. A afirmação foi feita durante aula magna proferida a cerca de 60 magistrados de 20 países, que integrou a programação da 69ª Assembleia Anual da FLAM (Federação Latino-americana de Magistrados), realizada entre os dias 30 e 31 de maio, na sede social da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados), em São Paulo. A ocasião também contou com a reunião do grupo Ibero-americano da União Internacional de Magistrados-UIM.
A convite do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Walter Barone, presidente de ambas instituições e vice-presidente da Apamagis, Piovesan compartilhou a experiência de seu mandato de quatro anos na CIDH, quando teve a oportunidade de conhecer a fundo a região, suas fortalezas e debilidades. “Sou uma admiradora de cada um e cada uma de vocês pela essencialidade da independência do Poder Judiciário. Em um Estado de Direito, o poder de uma caneta é mais importante e mais poderoso que tanques na rua. E o Poder Judiciário institucionaliza o poder do argumento, que é um indicador do grau da civilização humana. Então, se estou aqui com toda emoção e gratidão é, sobretudo, pelo reconhecimento da importância da função jurisdicional”, afirmou na abertura de sua exposição agradecendo à FLAM, à UIM e à AMB, co-organizadora do evento.

“O Poder Judiciário institucionaliza o poder do argumento, que é um indicador do grau da civilização humana”, afirmou Flavia Piovesan na abertura de sua exposição agradecendo à FLAM, à UIM e à AMB | Foto: Alexandre Boiczar
Intitulada “Protección a la independencia Judicial y Sistema Interamericano”, a aula magna buscou traçar um cenário considerando o impacto da pandemia de covid-19 nas Américas a partir do enfoque de direitos humanos; o alcance dos sistemas interamericanos em matéria de independência judicial; e os principais desafios para fortalecer a independência judicial na região.
Recorrendo às bases sob as quais as sociedades latino-americanas foram forjadas, Piovesan destacou três desafios estruturais, acentuados pela pandemia: a profunda desigualdade social, o padrão de discriminação estruturante e histórico, e o déficit democrático na região. Segundo dados da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), 34,7% das populações da região vivem na pobreza, enquanto 13,8% vivem na pobreza extrema. Antes da pandemia, os percentuais eram de 30% e 11%, respectivamente.
Apesar do agravamento das condições de vulnerabilidade social em razão da emergência de saúde pública global, indicadores sociais na região demonstram, empiricamente, um padrão histórico estruturante e sistemático de discriminação, exclusão e violência que afeta de forma desproporcional afrodescendentes e povos indígenas. Piovesan, que na CIDH foi relatora para os Estados Unidos, apresentou dados da letalidade de covid-19 no país: quatro vezes maior entre afrodescendentes em comparação com a população branca. “O vírus não é discriminatório, mas seu impacto, sim”, resumiu, parafraseando Michelle Bachelet, alta comissária dos Direitos Humanos da ONU e ex-presidente do Chile.
Para Piovesan, a pandemia favoreceu as arbitrariedades autocráticas acentuando o declínio da democracia no âmbito global, levando ao que classificou como “onda autocratizante”. Dados da pesquisa de opinião pública Latinobarômetro indicam que a democracia é o regime preferido de apenas 48%. Com relação à confiabilidade nas instituições, na região, as igrejas aparecem em primeiro lugar, com 63% de apoio; forças armadas, com 44%; o Poder Judiciário, com 24%; o Poder Executivo, com 22%; o Congresso, com 21%; e partidos políticos, com 13%. A indiferença à política também é corroborada pela pesquisa do instituto Pew Research Center, a qual revelou que as alternativas não democráticas têm o endosso de 23% da população no Brasil, 27% no México e 18% na Argentina.
Após o panorama de desafios históricos e estruturais na região, Piovesan compartilhou experiências durante o mandato na CIDH na avaliação de situações de grave violação aos princípios da separação de Poderes, inamovibilidade de magistrados e independência do Poder Judiciário.

Piovesan compartilhou experiências durante o mandato na CIDH na avaliação de situações de grave violação aos princípios da separação de Poderes, inamovibilidade de magistrados e independência do Poder Judiciário | Foto: Alexandre Boiczar
Entre os casos avaliados pela Comissão, estão o da Venezuela, onde mais de 80% dos juízes são provisórios, da Guatemala, em que juízes foram ameaçados, incluindo o da juíza Erika Aifán, que renunciou ao cargo e exilou-se nos Estados Unidos após sofrer ameaças, e os de El Salvador, Equador e República Dominicana, onde houve a destituição de magistrados sem respeito ao devido processo legal. “Como comissária fiquei muito surpresa porque não havia uma semana em que a comissão não avaliava medidas cautelares em caso de urgência ou gravidade de danos irreparáveis”, compartilhou.
Para a análise dos casos em tela, Piovesan destacou a aplicação dos artigos 8 (garantias judiciais) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. “No direito interamericano, toda pessoa deve ser ouvida com as devidas garantias, em um prazo razoável, por um juiz e tribunal competente, independente e imparcial. E toda pessoa, em um Estado de Direito tem direito a um recurso simples, rápido, efetivo perante os juízes e tribunais competentes. Aqui temos três dimensões da independência judicial: direito ao livre acesso à proteção judicial, garantia da independência judicial e direito à prestação jurisdicional efetiva na hipótese da violação a direitos humanos”.
Por fim, como resposta ao desafio de fortalecer a independência judicial na região, Piovesan ressaltou a necessidade de dar visibilidade e denunciar ataques de regimes populistas autoritários. Ela ainda lembrou o trabalho dos professores de Harvard Daniel Ziblatt e Steven Levitsky no livro Como as Democracias Morrem, traduzido para 21 países, e que apresenta, em sua opinião, uma pesquisa sólida com uma base comparativa consistente sobre regimes autoritários em diferentes regiões e épocas. Um dos indicadores para governos populistas autoritários apresentado no livro é o ataque à independência judicial, à liberdade acadêmica, à liberdade de expressão e de imprensa e ao pensamento crítico.
“É muito importante ter em mente que a independência do Poder Judiciário é um fator que desestabiliza os populistas autoritários. Tenho total respeito e admiração pelo Judiciário da região e do Brasil, que salvou vidas, que fez com que a ciência prevalecesse e não o obscurantismo, que garantiu a liberdade de imprensa, de expressão. É justamente essa ideia [que precisamos ter em mente] que sem a independência judicial não temos a proteção dos direitos humanos, não há democracia e não há Estado de Direito. Ou seja, o Poder Judiciário é, claro, uma condição básica, essencial e indispensável para a democracia e direitos humanos”, concluiu sob aplausos.
A Apamagis realizou, na sexta-feira (21/3), o Lançamento de Livros de Magistrados Autores, na sede […]
A Apamagis lançou um abaixo-assinado, no XXXII Encontro de Coordenadores, realizado sábado (22/3), em repúdio […]
As contas do exercício de 2024 e a previsão orçamentária de 2025 foram aprovadas por […]