Sete de Setembro: Fato ou Fábula?
Paulo Eduardo Razuk
Desembargador aposentado do TJSP
Bacharel e Doutor em Direito pela USP
1 – A Visão Pictórica
Segundo o Dicionário Houaiss, alegoria é obra de pintura ou escultura que, por meio de suas formas, representa uma ideia abstrata. Há duas pinturas, de caráter alegórico, que procuram representar, no plano fático, a ideia da Independência do Brasil.
Segundo o Dicionário Houaiss, alegoria é obra de pintura ou escultura que, por meio de suas formas, representa uma ideia abstrata. Há duas pinturas, de caráter alegórico, que procuram representar, no plano fático, a ideia da Independência do Brasil.
A primeira é de 1841, achando-se no Museu Imperial de Petrópolis. Foi executada na Europa por François René Moreaux, chamada Proclamação da Independência. A cena dá-se em terreno plano, em que o príncipe e sua comitiva, em trajes militares, a cavalo, veem-se rodeados por camponeses brancos europeus, sem a presença de indígenas ou africanos, o que demonstra o caráter fantasioso da obra.
A outra é de 1888, pintada em Florença por Pedro Américo, segundo o modelo da escola acadêmica francesa, situando-se no Museu do Ipiranga, em S. Paulo. O cenário é o da colina do Ipiranga, em que o príncipe levanta a espada, cercado pelos oficiais da sua comitiva, todos a cavalo, em uniforme de gala. No alto, à direita, está a Casa do Grito, erguida posteriormente, junto à qual se encontram viajantes. No canto inferior esquerdo, está um tropeiro a conduzir um carro de bois. Quer dizer, o elemento popular participa da cena como mero espectador.
O quadro de Pedro Américo, como pode ser facilmente constatado na internet, é plágio servil de outra alegoria, A Batalha de Friedland, vencida em 1807 por Napoleão Bonaparte, pintado em 1875 por Jean-Louis-Ernest Meissonier, que está no Metropolitan Museum of Art de Nova York. A imitação salta aos olhos.
2 – Os depoimentos das testemunhas
Resta saber se o momento retratado nas alegorias realmente ocorreu. Há somente dois depoimentos de pessoas que estiveram no local em companhia do príncipe, depoimentos que não coincidem inteiramente.
O primeiro é do Major Francisco de Castro do Canto e Melo, irmão de Domitila, que se tornaria a Marquesa de Santos. A narrativa é de que, no alto da colina, próximo do riacho do Ipiranga, o príncipe teria encontrado mensageiros de José Bonifácio, que lhe traziam cartas dos Andradas, da princesa Leopoldina e das Cortes de Lisboa, cujo conteúdo o teria deixado indignado, determinando o gesto heroico da Independência do Brasil. D. Pedro teria exclamado: “É tempo! Estamos separados de Portugal! Independência ou Morte!” Em seguida, teria arrancado o laço português do chapéu e o arrojado para longe de si.
Outro depoimento é do padre Belquior Pinheiro, que afirmou ter lido as cartas ao príncipe, que, tremendo de raiva, lhe arrancara os papéis e os pisoteara. Logo se recompondo, teria seguido o conselho do padre, arrancando os laços com as cores azul e branco e exclamado: “Laços fora, soldados! Viva a independência, a liberdade e a separação do Brasil! Liberdade ou Morte!”.
3 – O Caminho do Príncipe
Em viagem a S. Paulo, D. Pedro partira, com a sua comitiva, do Rio de Janeiro, em 14 de agosto de 1822. Passou por Santa Cruz, S. João Marcos, Três Barras, Areias, Lorena, Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Taubaté, Jacareí, Mogi das Cruzes e Penha de França. Em 25 de Agosto, chegou a S. Paulo, de lá viajando no final do mês a Santos, de onde retornaria em 7 de Setembro.
O brigue Três Corações aportara ao Rio de Janeiro em 28 de agosto, trazendo as ordens diretas de Lisboa, para a volta imediata do príncipe ao Reino, a supressão da autonomia do Brasil e a acusação de traição aos ministros que cercavam o regente.
O Conselho de Ministros, presidido por Bonifácio, mandara o correio Paulo Bergero ao encontro do príncipe em S. Paulo, o que teria ocorrido às margens do riacho do Ipiranga. O príncipe voltava de Cubatão, montado em uma besta baia, envergando uma farda de polícia. Não estava a cavalo, animal que não venceria a Serra do Mar. Não estava de uniforme de gala. Também não estava cercado pelos Dragões da Independência, regimento que seria criado mais tarde.
4 – A Invenção do 7 de Setembro
Nos jornais da época, não há referência alguma ao 7 de Setembro. Em 1822, a data tomada como marco da Independência foi 12 de Outubro, aniversário de D. Pedro e data da sua Aclamação no Campo de Santana, renomeado Campo da Aclamação, no Rio de Janeiro, como refere Isabel Lustosa, em artigo publicado em O Estado de S. Paulo, em 7 de Setembro de 2010, com remissão a outro de Maria de Lourdes Viana Lyra, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, publicado em 1995.
Assim, os documentos de Lisboa supostamente lidos a D. Pedro no Ipiranga só teriam chegado ao Rio de Janeiro em 22 de Setembro. O primeiro relato do episódio do Ipiranga só foi publicado em 1826, momento de desprestígio do monarca, que se iniciara em 1823, com a dissolução da Assembleia Constituinte, e chegaria ao ápice com a Abdicação, em 7 de Abril de 1831.
As datas até então consideradas eram o Fico, em 9 de Janeiro de 1822; a inauguração da Constituinte, em 3 de Maio de 1823; e 12 de Outubro de 1822, data da Aclamação.
A escolha estratégica do 7 de Setembro deveu-se à ideia de que a Independência fora um feito exclusivo de D. Pedro. Foi adotada em 1825 no Tratado de Independência, celebrado com Portugal. Estava entronizado o mito do herói salvador da Pátria, que persiste mesmo após a abdicação e a república.
Bibliografia:
Isabel Lustosa, D. Pedro I, p. 152/155. Companhia das Letras. S. Paulo, 2006.
Isabel Lustosa, A Invenção do 7 de Setembro, O Estado de S. Paulo, 7 de Setembro de 2010.
Maria de Lourdes Viana Lyra, artigo publicado em 1995, referido no anterior.
Lilia Moritz Schwarcz, A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis, p. 313/393, Companhia das Letras, S. Paulo, 2002.
Oliveira Lima, O Movimento da Independência, 6ª ed., p. 397. Topbooks, Rio de Janeiro, 1997.
Octavio Tarquínio de Sousa, A Vida de D. Pedro I, tomo II, cap. XIII, José Olympio, Rio de Janeiro, 1972.
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. P. 146, Objetiva, Rio de Janeiro, 2001.
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