Andréa Del Fuego apresenta duas obras de universos distintos no Clube de Leitura da Apamagis

Dois romances, dois universos distintos. Um é rural, de largas paisagens.  Outro é urbano, de uma realidade muitas vezes presa na claustrofobia dos pensamentos da protagonista. Esses livros são, respectivamente “Os Malaquias” e “A Pediatra”, ambas criações da paulistana Andréa Del Fuego e temas de debate do Clube de Leitura da Apamagis de junho. A mediação foi da juíza Danielle Martins Cardoso.

O encontro foi uma conversa descontraída, que durou uma hora e meia e pontuada por risos e por divagações sobre as histórias que inspiraram a autora a escrever essas obras.

“Os Malaquias”, romance de estreia que em 2011 lhe rendeu o prêmio Saramago, em Portugal, é inspirado na história de sua família. Andréa Del Fuego conta que começou a escrevê-lo impactada pela perda da avó, o primeiro luto que viveu.

A partir de sua avó Maria, mulher de Nico, é contada a história baseada em fatos reais. “Meus bisavós foram cozidos por dentro por um raio, deixando órfãos meus tios-avós e meu avô Nico”, contou Andréa.

Nico, ainda criança, acabou ficando em uma fazenda da região, para trabalhar. Os irmãos Antonio e Júlia, também crianças, foram levados para um orfanato. “Júlia foi adotada por uma família de São Paulo como empregada doméstica, não como filha.”

Andréa lembrou-se de ter ido à casa onde Júlia morava e morria de curiosidade de conhecer o local, que imaginava ser enorme, mas a patroa de Júlia não deixava. Também havia o temor de que a entrada da criança pudesse causar algum desconforto. “Teve um dia que essa senhora me levou para conhecer: está no livro a visão da criança olhando para a casa”, disse a autora.

Outras lembranças foram trazidas ao longo do bate-papo, como a que remete à sua infância e à convivência com o tio-avô Antonio, o único da casa que podia sumir no milharal e voltar horas depois, sem ser questionado. “Conheci esse senhor, eu criança, e ele já de cabelos brancos. Minha avó fazia as roupas dele sob medida, calça, camisa. Ele com aquele cabelo branco cheio, aquele chapéu de palha, como não ser escritora? Já é realismo magico”, disse , sorrindo.

 

 

Eram lembranças de suas visitas a uma cidade no interior de Minas, onde a família morava. “Meu avô falava tanta coisa linda. Ele adorava fumar aquele tabaco que ele mesmo colhia. Ele ficava paradinho, soltava a fumaça e a olhava até terminar. Ele falava ‘adoro ver a fumaça suspender’, como se a fumaça suspendesse outra coisa”, lembra a escritora. “Eu não tinha primos na mesma idade, então eu era criança absorvendo aquilo tudo, aquele céu, aqueles cheiros. Sou completamente marcada por isso.”

A Pediatra

Esse é um universo completamente diferente do retratado em seu livro mais recente, “A Pediatra”, de 2021. Nesse romance urbano, a protagonista é uma pediatra que não gosta muito de crianças, nem tem paciência para lidar com os pais e mães de seus pacientes. Sua vida profissional vai bem, até começar a perder espaço para um médico com perfil humanista.

“Passei cinco meses escrevendo as cinco primeiras páginas. Logo me veio a escolha: ela em primeira pessoa, porque pensei em algo claustrofóbico, ela no pensamento dela. Discurso indireto livre: ela mesma fala a resposta que alguém disse a ela. É somente ela e o que seus cinco sentidos apreedem”, contou Andréa Del Fuego. Uma vez encontrado o caminho para escrever o livro, a autora levou um mês para conclui-lo, mas com uma rotina de trabalho diário.

Andréa Del Fuego também mergulhou no universo da medicina. Leu textos científicos. E participa de grupos de médicos, ministra oficinas de escrita literária a esses profissionais e tem interesse especial pelo tema.

Ainda no Clube de Leitura da Apamagis, a autora contou mais detalhes sobre o processo criativo, lembrando seu início na carreira e as várias recusas que recebeu de editoras. “Os Malaquias” levou sete anos para ser publicado.

 

Sobre a autora

Andréa Del Fuego nasceu em São Paulo, em 1975. Escritora e mestre em Filosofia pela USP, é autora do romance “Os Malaquias”, vencedor do prêmio Saramago de 2011, que foi publicado na Alemanha, Itália, França, Israel, Romênia, Suécia, Kwait, Portugal e Argentina. Seu romance “As Miniaturas” foi publicado em Portugal, Argentina e França.

É autora também da trilogia de contos “Minto Enquanto Posso”, “Nego Tudo” e “Engano Sempre”, e dos livros juvenis “Sociedade da Caveira de Cristal”, “Quase Caio” e “Irmãs de Pelúcia”.

Ganhou o prêmio Literatura para Todos do Ministério da Educação, com a novela “Sofia, o Cobrador e o Motorista”. Ministra oficina de escrita literária há mais de dez anos.

Seu mais recente romance, “A Pediatra”, foi publicado em Portugal e deve ganhar uma adaptação para o cinema.